Foto: Jean Beaufort por Public Domain Pictures
Por: Antonio Mata
Surgiu na rede a história de uma imagem obtida por um fotógrafo lituano. Um certo Kavaliauskas, trabalhando com imageamento em microscópio. Aquilo chamou logo a atenção. Uns gostaram, outros nem tanto, e alguns ainda fizeram confusão.
Surpreendente como a natureza consegue oferecer tamanho detalhamento, mesmo no rosto de uma formiga. Das incontáveis formigas da Terra, uma posou para aquela imagem diferente.
Passavam por um pequeno orifício. Um buraco no portal, na parede. Era assim que conseguiam acesso à cozinha da casa. Avançavam pelo canto do piso, uns 60 cm, quando então subiam pela extremidade do portal, do lado oposto para ficar fora do ângulo de visão e não chamar a atenção.
— E agora, o que a gente faz?
Holmes perguntava da formiga guia, aquela que segue na frente fazendo o trabalho de reconhecimento de tudo aquilo que possa interessar ao formigueiro.
— Calma aí, já mapeei tudo. Tem uma passagem para dentro da parede, do outro lado do portal. É só entrar e a gente já sai perto da porta do quarto. Aí é só entrar, sempre por cima.
Não eram tolos. Buscando circular pelo alto sempre que possível, assim evitavam os pés dos gigantes lá embaixo. Agindo discretamente, sempre em silêncio e fora da visão dos homens.
Por fim, a ideia era chegar até uma jujuba que havia sido deixada debaixo da cama do lambão que ficava lá dentro. Vida de formiga é difícil e perigosa, cheia de surpresas, mas vale a pena.
Não é à toa que os formigueiros são enormes e existem tantas formigas de tantas espécies. Nas cidades, se adaptaram excepcionalmente bem. Ainda que com as suas dietas tão envenenadas quanto qualquer ser humano, cheio de açúcar gordura e sal. A culpa disso é dos homens.
Desciam encolhidas, uma de cada vez, pela quina interna da parede, sempre de olho no gigante, sentado de costas, de frente para um computador, onde observava algumas imagens.
Quando de repente, alguém lá no alto gritou:
— Sou eu, sou eu! Aquele ali sou eu!
Pelo menos umas duzentas formigas que já se encontravam dentro do quarto, descendo em fila indiana, quase desgarraram da parede com tamanho escândalo. Esse tipo de coisa não faz parte de sua cultura. Não na família da Formicidade.
— Ah, meu Deus, eu não acredito! — Por mais que os outros insistissem em pedir silêncio, o desenraizado e surtado não conseguia fechar a matraca. Mostrava sua caraça para os demais e dizia em altos brados:
— Vivi para ver! Sou eu, sou eu! Eu tenho certeza! Estou tão bonito!
O líder da operação ficou vermelho de raiva, e encarando o primeiro surtado com olhos esbugalhados, se pôs a gritar:
— Onde você pensa que está, na feira, em programa de auditório, no meio da rua, na sala da sua casa?!
— Não, você está em uma operação de alto risco. Você foi selecionado para fazer isto, sua anta!
— Aqui todos poderão morrer, antes que alguém consiga tocar naquela jujuba! Entendeu, sua mula?!
Flagrado, pesaroso, humilhado e sem graça, Eusébio parou de fazer escândalo. Havia esquecido de como tinha sido difícil e exigente ingressar no GOR – Grupo de Operações de Risco. A organização mais importante de todo o formigueiro. Responsáveis por procurar e achar alimentos, literalmente em qualquer lugar. Se possível, doces.
Magoado, Eusébio tentava se explicar.
— Desculpa, chefe. Mas, não precisava falar assim comigo. Só estava mostrando a minha foto. Naquele computador, logo ali em baixo. Ficou muito bonito, chefe.
— Cale essa boca, Eusébio! Cale essa boca!
Eusébio silenciou finalmente.
Retornaram à missão, buscando se aproximar silenciosamente e invisivelmente da jujuba. Os demais olhavam para a tela do computador procurando reconhecer o Eusébio na imagem. Os cochichos foram inevitáveis.
— Tem certeza que é você Eusébio? Estou achando diferente.
— Diferente nada. Preste bem atenção, até a pinta no queixo eu estou vendo daqui.
— Pinta no queixo? Joãozinho, tá vendo alguma pinta no queixo do Eusébio, lá naquela foto?
Depois de dar uma boa espiada, Joãozinho respondeu.
— Ali não tem nenhuma pinta não. Aliás, aquela foto não tem sinal nenhum.
Joãozinho falava no propósito de colocar ordem nas coisas. Ao que parece, Eusébio havia se enganado. Aquela fotografia provavelmente não era dele.
— É claro que sou eu. Então, acha que eu não seria capaz de reconhecer eu mesmo? Vocês estão com inveja.
— Falem baixo, antes que o chefe acabe com vocês. — Joãozinho procurava alertar aos mais desavisados que a missão ainda estava em andamento. Então prosseguiu:
— Quer mesmo saber Eusébio, aquilo ali é só um desenho. Poderia ser uma centena de formigas diferente. Sem pinta nenhuma, pode ser mais de mil formigas diferentes. Esquece isso e se concentra na missão.
— Era um desenho? Eusébio não sabia que era um desenho? — Indagava Holmes.
— Já que o sabichão do Joãozinho está dizendo, deve ser. Pensei que fosse minha foto colorida. Só se eu fosse até lá, ver mais de perto, ao invés de ficar aqui do alto da parede, de cabeça para baixo vendo tudo invertido. Foi mal, mas a culpa não foi minha.
A fila indiana, conduzindo a elite do formigueiro em missão prosseguia. Os primeiros cada vez mais perto do chão, próximo da cama. Cada vez mais perto da jujuba. Além de chegar lá, ainda teriam de cortá-la em centenas de pedaços.
Nesse ínterim, o homem diante do computador exibiu outra imagem. Com uma diferença, já não era mais um desenho. Era a fotografia de uma formiga do veludo vermelho.
— Quem é esse daí?
— Não sou eu, não uso bigode. — Dizia Holmes.
— Nem eu, não uso cabelo na testa. — Alegava Euzébio.
— Eu é que não sou. Não tenho esse cabelo espeta caju. Comentava Joãozinho.
— Qual é o problema de vocês. Somos formigas do veludo vermelho. Já esqueceram? — Sentenciou Raul para encerrar a história.
— Ah, peraí, aquele dali só não é mais feio porque é um só.
— Ei, o que foi que deu em vocês? Era Raul, outra vez trazendo seus companheiros para a realidade.
— O que deu em vocês? Olhem uns para os outros. Pode ser qualquer um de nós ali naquela fotografia. Não é desenho, somos nós mesmos ali naquela tela.
— Aquele cara é muito feio Raul. Não poderíamos ser outro tipo de formiga?
— É lógico que não. É isso mesmo, aquele monstrengo somos nós. Nós somos assim.
— Êpa, menos eu. Não sou nenhum monstrengo. Eusébio era agora, a araruta no seu dia de mingau.
— Além de não ser nenhum monstrengo, acho até que eu fico bem com o cabelo na testa. Gostei, só para variar, eu sou bonito!
Os demais, na fila descendo da parede, olharam uns para os outros. Nunca tinham visto uma fotografia de si mesmos. Por isso acharam aquele ali tão estranho e feioso.
Eusébio empertigou-se todo e seguiu para a frente da fila, logo atrás do chefe da operação. Queria ser o primeiro a chegar, cortar um montão de doces e cumprir a missão rapidamente.
Entrementes, o homem diante do computador, olhou ao redor. Levantou-se, foi até a uma estante, apanhou uma lata de inseticida em aerossol. Pulverizou a parede do quarto, do chão até o alto. Depois no hall de acesso, pulverizou no alto da parede, também. A seguir, apanhou e jogou fora a jujuba, pulverizando dentro da lata de lixo. As formigas do veludo vermelho caíram no chão, todas mortas. Tanto as formigas feias como as bonitas.