Por: Antonio Mata
Ajeitou-se na sombra. Lugar ótimo, vista ótima, uma visada e tanto. Era seu preferido. Bom de se acomodar enquanto prestava atenção em tudo. Porém, havia quem discordasse.
Discreto, silencioso, quase invisível, via tudo e ouvia tudo. Aí, aquela pessoa apareceu. Começou a fixar a vista. Levantou a mão espalmada, estendendo acima dos olhos. Tudo por culpa do quase em sua vida, pensou.
Ainda assim, experimentou ficar estático e nem piscava. Talvez a visão a enganasse, desistisse e fosse embora. Poderia achar ter sido só uma bobagem, algo sem importância.
Pena que não deu certo, pois ela insistiu.
— Ah meu Deus, pobrezinho gente, ficou preso lá em cima!
Quanta desconsideração, quanta ignorância e falta do que fazer, pensou, já aborrecido. Desde quando gato fica preso lá em cima? Não entendeu que ele fica onde ele quer? Vai dar sossego!
Outra pessoa chegou e começou a observar também.
— Vai ver é um filhote. Subiu, mas não sabe descer, coitadinho.
Ao ouvir aquilo, lançou seu olhar de desdém, seguido de um esclarecimento. Na realidade um grunhido. E daqueles emitidos bem baixo. Afinal, mesmo que fosse alto, mesmo que berrasse, ninguém entenderia nada mesmo.
— Minha senhora, um gato é considerado adulto a partir do terceiro ano de vida. Eu já tenho doze anos em cada perna. Aqui não tem nenhum filhote.
A história lá embaixo começou a render. Alguém achou de chamar os bombeiros, enquanto uma aglomeração se formava, o que atraiu uma dupla de policiais. As pessoas olhavam para o poste procurando pelo gato, que não era muito grande. Só estava encolhido por sobre anteparo de madeira e do lado da sombra.
— Ali está ele, é um tricolor. Preto, amarelo e branco. Alguém precisa retirá-lo de lá, antes que ele caia.
— Gato não cai, gato desce em velocidade! No seu grunhido, procurava esclarecer as coisas.
— Tenham calma, gatinho, já chamaram os bombeiros. Vai ser retirado logo daí. — Dizia pesarosa, uma das mulheres que observava o animal.
Tomás não estava interessado em descer. Mas, ele tinha que imaginar um jeito de sair do seu posto de observação. De preferência sem ser capturado. A divisão de zoonoses nunca foi um lugar muito prestigiado.
Contudo, não demorou e um grupo de bombeiros chegou ao local. Se valendo de uma escada e conduzindo uma cesta na ponta de um bastão, conseguiram alcançar o animal. Pois somente a escada não era suficiente.
Vem chaninho, entra aqui que eu pego você.
— Você tá brincando. Não fez a pergunta fundamental, antes de colocar essa escada aí e querer que eu entre nesse cesto. Você quer descer? Resposta: NÃO.
O bichano, ao ver o bombeiro cada vez mais próximo, de súbito, pelo lado oposto, agarrou-se no poste, começando a escorregar, disposto a escapar daquele cesto.
Quando chegou a uma altura segura, lançou-se no chão, correndo dali e saltando por entre as pernas das pessoas, para sair do local o mais rápido possível.
Antes que se dessem conta, o animal desapareceu.
— Ele conseguiu descer, sumiu daqui. — Ninguém conseguiu ver onde o bicho se meteu.
Com o gato tendo saltado e sem mais razão para aquela aglomeração, a dupla de policiais que acompanhava tudo, solicitava que desimpedissem a rua.
— O gato fugiu, sendo assim, circulando minha gente, circulando! A história já acabou!
Não longe dali, o gato tricolor matutava sua próxima surtida.
— É só sair todo mundo daqui que eu volto.
Permaneceu oculto em um bueiro até a manhã seguinte. Finalmente, Tomás deixou seu esconderijo. Cruzou a rua e tão rápido quanto silenciosamente, subiu em uma árvore.
Dali pulou para uma marquise, caminhou até a extremidade, saltando na direção do poste e se agarrando nele. Retornou ao seu ponto de observação. Acomodou-se e fez o que costumava fazer. Assistir ao movimento, lá de cima, na sombra.