Por: Antonio Mata
Peço vossa atenção para o relato de um navegador, desbravador, aventureiro e invasor. Peço por este breve relato da saga dos homens de meu tempo. Nossos propósitos, esperanças e fé.
Acreditávamos muito e em muita coisa. Também de um jeito, que por mais que fosse muito pobre e tosco, acreditávamos em Deus. Era preciso, de que modo fosse, conceber sua real grandeza.
Estupidez inimaginável, enfrentar as ondas do desconhecido sem algo que te suporte, que te proteja, te dignifique e o desaparte da condição de simples verme sobre a terra e o mais tempestuoso dos açoites do mar. Enfrentar sem se perder nem enlouquecer. Uma forma rude, mas, valente de se ver e servir a Deus.
No entanto, estava ali, ora cinzento, ora negro lampejante, ora mortalmente calmo, ora um espelho, quando não, nevoento. Uma vez sem água a beber, outra vez sem vento. Se manifestava sempre, até que aprendi. Vi a Deus nestas formas.
A história se transforma em narrativa rica e violenta, cheia de desenganos, conflitos, coragem e sangue. Mas, foi a saga que pudemos fazer, viver e levar adiante. Foi assim que lavradores e filhos de lavradores esquecidos se fizeram homens do mar.
Camões o fez com maestria e gênio. Faço-o pela necessidade. Antes que o último dia, que é de todos, se apresente e me impeça de fazê-lo. Antes que a vida se desfaça, mais uma vez e apague tudo. A história do mundo que se fez. A nossa história.
Assim, há aqueles que hão de contar sob seus cabelos brancos, sentados à luz da lareira e cercados de ouvintes. Aqui, onde mal posso evitar que tudo se molhe e borre toda a tinta, ainda há o que se escrever e contar. O que nunca se sabe é até quando.
Neste momento, é prosseguir ao sul/sudeste da África, até alcançar o cabo e seguir para leste. Daí rumar para as Índias, por mares salpicados por piratas turcomanos. Estes, inimigos declarados de El-rei, querem o que todos nós queremos. A riqueza das Índias a abarrotar os barcos e o caminho de volta.
Esta história, datada de 17 de abril de 1576, que só se fez começar, foi encontrada em uma garrafa de cerâmica tapada com cortiça nas praias da atual Namíbia, em um local conhecido como Costa dos Esqueletos. A única folha enrolada e manchada foi assim, milagrosamente salva.
Ficou esquecida por muito tempo até ser adquirida por um viajante holandês em 1782. Chegou às mãos de um colecionador de relíquias e hoje é patrimônio particular.
Assumiu-se ter sido um esforço para salvar tais escritos. Do que se depreende que o autor, provavelmente não chegou a seu destino. Centenas de navios e milhares de homens se perderam na empreitada das Índias portuguesas.
Muito menos deixou seu nome, de outros tripulantes ou o nome do navio. Se era o piloto, o contramestre, um escrivão ou militar a caminho dos muitos enclaves e fortalezas portuguesas no ultramar, nunca saberemos.
Estupidez inimaginável enfrentar as ondas do desconhecido sem algo que te suporte, que te proteja, te dignifique...
Assim pensavam, assim viviam e pereciam.