Por: AntonioMata
Acomodou-se tranquilamente, e sentado, organizava na mente as necessidades daquela manhã, um tanto quanto cinzenta.
Passava as instruções em voz alta, não gostava que se perdessem os detalhes, aqueles pequenos aspectos que, se esquecidos, seriam suficientes para desandar toda a iniciativa. Por isso era metódico na exposição de suas instruções.
— Mande carregar o barco bem cedo, comecem pela madrugada para que não haja nenhum atraso, e sem demora. Antes de dar o embarque dos passageiros, tem de estar com tudo pronto, toda a carga distribuída e amarrada. Não quero nada solto, não quero caixas e volumes escorregando pelo convés, nem mercadoria misturada com os passageiros. E prosseguia com voz de autoridade, sério e compenetrado.
— Quero tudo no porão, não deixem nada no convés, só os pertences dos passageiros. Volumes maiores da bagagem coloquem no porão.
Buscava na memória, olhando para o alto, de cenho franzido, cofiando a barba espessa, como quem procura verificar se teria deixado passar algo importante. Não queria que nada prejudicasse a viagem de seu primeiro e único barco.
— Confira com cuidado a tonelagem embarcada, e se não está com passageiros a mais.
Atento aos imprevistos prosseguia com as orientações.
— À noite, muita atenção em troncos flutuantes. Avance devagar por conta dos bancos de areia, e pedras no fundo do rio. É vazante e podem provocar um acidente perigoso. Um alagamento pode iniciar rapidamente, no meio da noite, antes que alguém perceba. E muita atenção com os redemoinhos, podem reter o barco e fazê-lo girar.
Prosseguia com as preleções, como se toda a tripulação estivesse na sua frente.
— Nada de bebidas alcoólicas da parte dos práticos em serviço. Quem estiver na tripulação não pode beber. Com tudo em ordem, e tudo bem entendido, não teremos problema algum. Todos ao serviço, ainda tem muito que se fazer aqui.
Levantou-se com atitude imponente, a cabeça erguida de quem sabe o que faz. Resultado de muitos anos cruzando os inumeráveis rios da região. Colocou uma bolsa de lona debaixo do braço esquerdo e partiu. Desceu a rua gesticulando, apontando, ora para os lados, ora para cima.
Dois homens que assistiam aquele estropício, maltrapilho e descalço, dando ordens ao vento, conversavam entre si.
— Conhece aquele sujeito? Ele falava com uma convicção, com uma autoridade, que me impressionou.
— Parece que o nome dele é Francisco. Francisco Olégario, ou qualquer coisa parecida. Não sei muito bem como aconteceu, já peguei a história de terceiros. A história circula por aí, pelas ruas da cidade. Parece que houve um acidente.
— Foi mesmo? Que tipo de acidente?
— Houve um naufrágio há cerca de três anos passados. Esta é a história, o dono do barco era ele. Mais da metade dos passageiros morreu no acidente, no meio da noite. O barco se chocou com um tronco, parece que foi isso. Afundou muito rápido, poucos minutos. Excesso de passageiros e de carga.
Prosseguiu com a história.
— Houve uma investigação pela Capitania dos Portos e o caso foi parar na justiça. Chegou a ser preso, mas conseguiu escapar a peso de muito dinheiro. Acabou falido, e o resto é isso aí que você está vendo.
O velho Olegário ainda pode ser visto pelas ruas oferecendo as ordens e orientações que poderiam ter salvo os passageiros, a seu barco, e a ele mesmo, se as tivesse levado a sério.