Por: Antonio Mata.
Daquele canto da praça dava para ver os carros e as pessoas passando do outro lado, mesmo que por entre um arranjo de papoulas, um ajardinado, quase à sua frente.
Não se importava, só olhava por olhar. Nem era dali daquele lugar, mas também não ligava muito. Parecia não ligar para mais nada. De fato, o olhar vidrado não via nada, nem as papoulas, nem os carros, nem as pessoas.
A linguagem popular às vezes adota certas expressões que ganham mundo, explicando logo as coisas, sem ter que falar muito. Uma delas é esta: é dono de metade da cidade...
Só não era bem esse o caso. Não era dono de metade da cidade. Incluindo aquilo obtido às custas do trabalho e aquilo, fruto de muita pilantragem, o homem fez diferente.
Viu a pequena cidade crescer e como tivesse tino comercial e algum capital. Isso, além de conhecer as pessoas, ditas como certas. Agostiniano tornou-se, de um jeito ou de outro, proprietário de 66,6% da cidade.
Dois terços de tudo o que fosse capaz de expressar valor era dele. Desde terras urbanas e rurais, a toda sorte de construções e benfeitorias. Jocoso, o povo o chamava Agostinho papa tudo. Talvez não achassem Agostiniano um nome popular o suficiente.
Enriqueceu atento às mudanças, às oportunidades que o crescimento da cidade trazia. Nada de errado nisso. A não ser por conta de certas práticas perniciosas que invadem às vezes a mente dos homens de sucesso.
Saiu-se bem no ramo da construção civil, enveredou pelo comércio, como atacadista e com supermercados. Aportou na indústria de enlatados e refrigerantes.
O sucesso o convidou para a vida social, de início discreta, depois intensa. As pessoas gostavam de estar próximas de alguém daquele quilate. Ele também gostava.
Foi daí que as coisas se precipitaram de vez. O gosto pelo jogo, pelo carteado, roleta e dados. Aos poucos o seduziu, mais que as mulheres, sempre à disposição. Era tudo muito fácil.
Como uma coisa puxa a outra, o sabor do álcool e da mistura de bebidas e coquetéis. Este foi se instalando lentamente. Sem pressa, sabendo esperar o envolvimento contínuo de mais um desavisado. As rédeas da razão foram se afrouxando.
O enredamento se deu sem avisar. Grossos maços de dinheiro e cheques em garantia, mudavam de mãos da noite de jogo e álcool para o dia. O dia seguinte, a manhã de frustração.
Sentimento que acabou deixado de lado em meio ao silêncio. Este, sim, o silêncio, para tudo e com todos. Atestava que sempre estivera tudo bem. Não queria contar, não precisavam saber.
Ao longo dos anos, os maços de dinheiro foram substituídos por imóveis na cidade, até que a indústria de refrigerantes, sucos e bebidas sem álcool, foi baixada sobre o pano verde. Assinou os papéis da garantia da aposta.
Na manhã seguinte já havia mudado de mão. A fortuna estava acabando. Terras, prédios, lojas, indústrias, Walter Agostiniano, alcoólatra e cego, não percebia.
O antigo empresário havia desaparecido. Pouco adiantaram os esforços da esposa em querer ajudá-lo a sair daquela roda-viva. Mas, foi ele que não quis. Frustrada e impotente, decidiu partir.
Menos mal, a despeito da separação de bens, ainda assegurou um bom e expressivo patrimônio. Mas, Laura parecia ter adivinhado. Abandonou o navio antes do naufrágio.
Então, tornou-se inevitável. Sobreveio a banca rota, a falência. Largou a mansão confortável que já não era mais dele. Saiu sem falar com ninguém. Sequer havia serviçais para fechar a porta.
Vagou pela cidade por uns dois ou três dias, quando então lembrou de um velho amigo de festas e tempos melhores.
Pediu para chamarem o amigo. Benevides o atendeu à porta.
De olhos marejados dizia:
— Como o tempo passou depressa, não é? Eu não peço muito, só um lugar qualquer para ficar. Eu não tenho onde morar.
— É mesmo? Pois saia da minha porta!
— Benevides, eu tô falando sério. Acredite em mim, pelo amor de Deus! Não tenho para onde ir.
— Quem diria, você não passa de um velho bêbado.
— Eu sei, eu sei, mas por favor, pelos velhos tempos...
Benevides o fitava em silêncio, com ar de desprezo.
— Espere aqui mesmo.
O homem entrou por alguns instantes. Depois retornou com pequeno maço de cédulas na mão. Olhou para o antigo companheiro de farras, agora pedinte, com ar frio e severo.
— Pegue, se ajeite com isso. Vá para longe e não apareça nunca mais. Eu não o conheço.
A realidade havia chegado.