Menu

terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

O sucesso

Por: Antonio Mata

A aglomeração no recinto fechado, ainda que fosse espaçoso, contribuía para manter um mínimo de calor. Lá fora o vento varria as ruas. Prenúncio de mais uma noite gélida.
 
Era aquele ancião de face esbranquiçada e cheia de rugas. Um quase desconhecido. Lentamente, sem que os presentes se percebessem, cruzou a multidão e se dirigiu à tribuna, em ponto mais elevado, de modo que todos pudessem ver a sua figura.
 
O velho, nem um pouco arqueado, exibia um ar de autoridade e experiência. Ainda que contrastando com sua figura simples e enfiado em roupas modestas para a ocasião.
 
Fruto de muitos anos assistindo e participando da vida, dos conflitos e avanços da cidade. Não exibia opulência e aceitava o seu papel tão discreto quanto longevo. Fora, não propriamente um líder, como costumeiramente se espera que seja. Entretanto, foi o conselheiro. Aquele que, a despeito de sua figura despojada, era lembrado nos momentos mais difíceis.
 
Quando chegou no púlpito, o burburinho no lugar aquietou-se. Nenhum João ninguém esquecido da Deus, estaria em tal posição. O velho deveria ter o seu valor.
 
O silêncio identificava o grau do interesse naquele encontro em momento tão particular. Não teriam sido chamados e em tão grande número, sem um propósito verdadeiro. Naquela miríade de olhares, de fato, havia coisa, uma ansiedade muito positiva.
 
Finalmente começou.
 
— Hoje aqui posso ver uma multidão, a despeito dos desafios e de muitas perdas. São aqueles que já silenciaram por conta das armadilhas que sempre cercaram nossas vidas.
 
— Não foi ontem. Não foi ontem não. Foi preciso muito tempo. Lembranças longínquas que falam da chegada nestas terras. De um lado, aconchegantes como o algodão macio. Do outro, frio muito frio. Capaz de congelar os ossos.
 
— Surge, então, a memória de um forte. Um fortim de madeira, pois foi através dele que nossos antepassados se instalaram nessa Terra Nova. Ainda sem propriamente um nome. Coisa que se viu logo surgir. Nome que mudou porque as coisas mudam. Forte que mudou de mãos várias vezes. A maior prova de que estas terras tinham valor.
 
— À beira do lago começamos a nos espalhar, modestamente simplesmente. Ora no povoado, ora no campo, quando tudo se confundia, mesmo com o forte.
 
— Contudo, chegou o momento de festejar. Pois agora é o nosso maior momento. Hora de mais uma vez crescer e termos a vida que sempre sonhamos!
 
A plateia, que já se comprimia no recinto que se tornava pequeno, ficou extasiada. A hora da colheita tão esperada havia chegado. Então era este o motivo daquele encontro. Festejar, e festejar muito em homenagem a tudo o que fizeram e alcançaram.
 
Lá fora, a rua fria e suja, não parecia corroborar o motivo de tanto contentamento. O aumento do aspecto de deterioração e abandono pareciam desmentir. Falavam de outra coisa. O aumento na quantidade de lixo e entulho nas ruas era um sinal claro. Uma indicação rapidamente visível.
 
Já havia algum tempo que as construções mais antigas, os prédios residenciais feitos em madeira. Aqueles que recebiam uma banheira para evitar molhar o piso de madeira e onde se sabia se os vizinhos estavam em casa. 
 
Era pelo barulho reverberando no teto ou nas escadarias que se sabia. Onde os tapetes e a mobília começaram a ficar cada vez mais sujos e carcomidos nos apartamentos baratos de aluguel.
 
Aqueles que acabariam empilhados junto às lixeiras cada vez difíceis de se esvaziar. Entretanto, os preços assustavam e colocavam para fora os inquilinos mais antigos e inibiam os poucos recém-chegados que estariam ainda dispostos a viver assim naquele lugar. 
 
Sem calefação, de pouco carvão e conforto nas lareiras comunitárias. O desconforto pior de todos, é que os anos avançavam sem dar mostras de se querer mudar. Porém, o barulho entre os espaços ocos da parede, de um apartamento a outro, avisava que não estavam sozinhos. 
 
O retorno de uma quantidade grande de insetos que invadiam as residências e estes apartamentos em particular. Fosse no verão, fosse no inverno. Não se conseguia se livrar deles.
 
Os ratos, ah os ratos! Os mais odiados!
 
Estavam invadindo tudo. As casas, as lojas, as fábricas, depósitos e toda a sorte de buracos e tocas que pudessem encontrar. Lixões e esgotos, verdadeiros paraísos. Como se a cidade fosse deles. Só para um bando de ratos. Somente em uma ratoeira, aquilo haveria de ser motivo de comemoração.
 
Caía a noite. Na movimentação intensa, entre guinchos agudos e festivos. Entre hurras e júbilos, os novos donos da cidade avisavam que, se permitissem, estariam ali para ficar de vez. Bastou que fizessem o forte. Vim, vi, venci e festejei.

 

 

Go Back

Comment

Blog Search

Comments