Foto: Valentin Salja
Por: Antonio Mata
Se mostrava ofegante no esforço para dar conta de todos os serviços necessários para deixar a propriedade, ainda que pequena, produtiva. Tinha concertado uma cerca, depois de uma espera de quase um ano. Havia a lâmina da roçadeira para afiar.
O próprio trator precisava de pequenos serviços de manutenção. Na cultura, no galpão, nas máquinas, até dentro de casa. A casa, o lugar mais esquecido por conta do resto. As marcas do tempo sob a forma de goteiras, pinturas descascando, fiação elétrica deficiente, e uma enxurrada de coisas.
O problema era o acúmulo de pequenos problemas. Qualquer dia desses sentia que a propriedade poderia se tornar inviável. O óbvio quando costuma aparecer, vem apoiado na lógica. Não havia o que discutir, a produção estava caindo, ano após ano.
O trabalho com hortaliças tem lá suas exigências. Se de um lado o crescimento é relativamente rápido, por outro são culturas de vida curta, exigindo a comercialização quase imediata.
Precisava de ajuda na lavoura. Havia um problema crônico de falta de trabalhadores para o campo. Fosse pelo lado da falta diminuição da população jovem, fosse pelo lado dos salários ínfimos e desinteressantes. O fato é que os mais moços, porém qualificados, imigravam na busca de melhores oportunidades de trabalho e qualidade de vida.
Lembrava de outros tempos, onde a realidade era bem distinta, em que pesem os problemas que tivessem de enfrentar. Havia expectativas de futuro, havia trabalho e homens para fazê-lo. Havia casais, e havia crianças.
Foi assim que crescera, na companhia dos pais e dos irmãos na lida com a pequena propriedade.
Os dois irmãos conversam a respeito das chances de recuperação da propriedade. O que não se mostrava muito fácil. Havia mercado, a terra e o conhecimento para se produzir. Faltavam braços, e de uma forma bastante generalizada.
— Yan, conversando com os mineiros fiquei sabendo que a falta de pessoal chegou nas minas também. De imediato, vão se virar com o que se tem. Em breve terão que tomar providências. Muita gente está ficando idosa e cansada. — Quem irá substituí-los? Indagava Georgi.
— Eu não sei.
— E você, já caminhando para os 60 anos. Como vai dar conta de tudo?
— É a terra de nossa família. Bem que você poderia continuar por aqui e me ajudar. O que acha?
— Não dá certo. Basta sair daqui e consigo coisa melhor. Basta sair do país e o salário dobra, podendo até superar isto. Aqui um protético ganha muito pouco. Não há mais o que fazer. Não nesta terra, vou pagar para trabalhar. Não percebe isso?
— Poderíamos treinar alguns garotos, adolescentes, e pagar com uma parte da produção. Poderia até dar certo, quem sabe.
— Quais garotos Yan, quais adolescentes? Ainda que você os encontrasse, o que não seria fácil, acha mesmo que vão querer vir para o campo?— Georgi prosseguiu.
— Deu tudo errado, já notou? Deu tudo errado.
— As pessoas não vão parar de comer Georgi.
— Você vai fazer tudo sozinho? Você falou em família, o que aconteceu com as famílias? Para todo lado você encontra mães solteiras se virando para cuidar do seu único filho. Acha mesmo que irão querer vê-los gastando suas costas e suas mãos para ganhar tostões, quando fora daqui, já sabem que encontrarão coisa muito melhor para eles?
Yan sabia que seu irmão tinha razão no que dizia. O sentido de família havia se perdido. Não era só uma questão de números, pois nunca foram abastados, e as famílias pobres cuidavam de seus filhos. O que não havia era vínculo familiar, interesse em cuidar das crianças. Elas custavam dinheiro e ainda atrapalhavam, caso se quisesse trabalhar ou estudar.
— Yan, contrate imigrantes, contrate africanos.
— Não quero negros nesta propriedade. Aqui não é lugar de negros, nem de seus descendentes, nem de seus mestiços.
— Não precisa que sejam negros, existem brancos no norte da África. Gente que quer trabalhar.
— São cristãos?
— Deixe de bobagem, homem! Você sabe tanto quanto eu que são na maioria muçulmanos.
— Não quero muçulmanos nesta terra, nem suas mesquitas. Muito menos negros, ou muçulmanos se aproximando das mulheres de Olgary.
— Yan, meu irmão, faça o que você achar melhor. Eu preciso ir, um dia desses a gente se vê de novo.
Yan acompanha com o olhar, enquanto Georgi se afasta em uma velha motocicleta, até sumir na estrada.
— É Georgi, um dia a gente se vê.
Ao se despedir, e levar adiante sua decisão de deixar o país, Georgi assumia a caminhada de outros 1,9 milhão de homens e mulheres antes dele.
Orgulho, preconceito, precipitação, falta de fé. Várias coisas se juntavam para condenar o pequeno país a um lento processo de extinção econômica e social, e com ela o fim de uma cultura. O abandono de certas instituições que muito contribuíram para a fixação populacional, territorial e cultural, estavam cobrando o seu preço, e em ritmo acelerado.