Menu

terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Os bacuraus da pista 09

                                                                          

Por: Antonio Mata

As noites mornas de um verão, que há dez mil anos começou, e nunca mais quis acabar. Mas, concebidas para os ciclos infindáveis da vida, assim haverão de prosseguir, dependendo apenas de quem, e como se queira enxergar.

Acostumara-se com a ideia e a experiência de quem vê as coisas pelo alto e a meia altura. Não era afeto aos voos extensos, nem muito elevados. Ainda que reconhecesse a vantagem particular do deslocamento pelo ar, mais rápido e normalmente mais seguro que por terra. Cresceu assim, entre asas e o planeio, tão suave quanto silencioso.

Poderia muito bem assumir que a vida estava dividida em três grandes fases; comer; voar e dormir. Estaria tudo muito certo, não fosse aquela vontade milenar de se deixar atrair pelo novo e pelo diferente. Bastaria comer; voar e dormir pela vida inteira, e não estaria devendo nada a ninguém.

Era hábil naquilo que fazia, enquanto integrante daqueles animaizinhos ligeiros, que raramente erram uma investida. A visão extremamente aguçada, para encontrar coisas pequenas no escuro. Aprendera cedo a pôr tais habilidades a funcionar. A eficiência assegurando a sobrevivência.

Prolíficos, e a despeito de suas habilidades e capacidades, adoravam ficar no chão, no descampado. Foi quando o desejo de se expandir falou mais alto. Percorria de uma árvore a outra, buscando locais adequados para se viver. Encontrara uma faixa estreita que à noite, parecia bastante confortável.

Qual não foi sua surpresa, ao descobrir que não era o único a se interessar pelo lugar. Uns monstrengos estranhos corriam exatamente por onde queria se instalar, e eram tantos que acabou desistindo. Daí estar mais uma vez às voltas com os seus pequenos voos de observação e descoberta.

Não foi lá coisa muito fácil não. Parecia estar tudo ocupado. Quando acreditava ter encontrado um lugar tranquilo, lá vinha outra leva de monstrengos avisar que o lugar tinha dono. O que era pior de tudo, nem ficavam no lugar, apenas passavam por lá, dali a pouco vinha outro e mais outro fazer a mesma coisa. Que desperdício, pensava.

Precisou afastar-se mais vezes, das árvores e daquelas faixas pretas, até ver-se diante de um descampado, também em faixa. Isto interessava e muito. Desceu no local, avançou em terra, aos saltos como era usual.

Acomodou-se, e já estava começando a se agradar do lugar, quando vislumbrou à meia distância, outra coisa que chamou a sua atenção.

Aquela faixa escura e contínua, não era efeito de sombra, pois ainda que escurecesse, estava bem acostumado com a pouca luminosidade, e já tinha visto noites muito mais escuras que aquela. Tinha alguma coisa naquela faixa.

Alçou voo na direção daquele breu para investigar. Já conhecia toda sorte de terrenos, o que prendia a atenção do emplumado, era a continuidade, que logo saberia do que se tratar. Em voo, avançou os primeiros cem metros, e se deteve. Mais cem metros, e nova parada. Saltou mais uma vez, e subiu um pouco mais alto fazendo um círculo completo.

Nunca tinha visto nada igual, ou parecido com aquilo. Planou por alguns instantes, só por segurança, até descer tranquilamente bem no meio daquela área tão grande e tão diferente de tudo que conhecia até então. Não era só pelo tamanho, mas também o silêncio, aquela pedra negra e morna, e o que simplesmente adorou, a ausência de todo tipo de monstrengos.

Finalmente encontrara o que sempre buscou, um lugar para se viver em paz. Acomodou-se sentado sobre a pedra negra. Era bastante confortável. Arriscou, só por alguns instantes, um breve cochilo, só para sentir as impressões. Era exatamente o que imaginara, poder repousar por toda a noite, mais que isso, poder encontrar um lugar para se viver.

Levantou voo mais uma vez, com a certeza de quem sabe o que faz. Agora sim, poderia contar para os demais e chamá-los em revoada. Estava tão contente, que nem pensou em parar, em um tiro só, cruzou o descampado e avançou. Ainda pôde ver seus amigos às voltas com os monstrengos no meio da noite. Prosseguiu e retornou às árvores que havia deixado.

Chegou todo esbaforido no local. Queria falar, contar tudo, explicar o que tinha encontrado, e mostrar o caminho. Mal conseguia se segurar sobre o galho.

— O que foi que deu em você, seu aventureiro, não sabe que é perigoso se afastar tanto, e ainda mais sozinho? Quem você pensa que é, já ouviu falar em gaviões, em cobras e gatos? Qual deles você prefere?

Betina não estava brincando. Bico já havia perdido seu pai e um irmão, com essa ideia de expansão. De se buscar novos espaços para o bando continuar crescendo.

Com tantos pássaros sendo capturados e mortos, acreditava que acabariam entrando em extinção. Tudo estava ficando por demais perigoso, e Bico sabia que ela tinha razão. Descansou um pouco, se recompôs, e então se colocou a contar tudo o que vira no início daquela noite.

Bastou matraquear um pouco, e foi mais que suficiente para atrair a atenção de meia dúzia de vizinhos de galho. Expôs tudo no nível do detalhe. Estava empolgado com a descoberta, e sabia do valor que aquilo possuía para os demais.

Borba, um dos bacuraus de mais idade, muito respeitado e querido pelo bando, pela sua sabedoria e espírito de decisão, ouviu com calma o relato oferecido por Bico. Após a exposição, pensou um pouco, e então sentenciou:

— Vejo que Bico, um de nossos exploradores, com muita determinação e coragem, encontrou algo que outros de nós deram suas vidas para encontrar. O nosso lugar na terra.

Parou por um instante. Àquela altura, já havia dezenas de curiosos, senão centenas, pois a história de Bico já havia se tornado um rastilho de pólvora. Era sonho na cabeça de todos.

Estavam absolutamente atentos às palavras de Borba, esperando ansiosamente por suas considerações finais. Sim, parecia ser isso mesmo, Bico havia encontrado o Nirvana.

— Pois bem Bico, nós vamos migrar mais uma vez. Faremos isto amanhã, logo ao final da tarde. Pois que estejam todos preparados. A propósito Bico, para onde fica mesmo estas novas terras negras?

Bico, de peito cheio, transformado em pombo, apontou para a direção tão esperada, e afirmou.

— É por ali, por cima das árvores, por sobre as faixas cheias de monstrengos, por cima de uma campina, sempre em linha reta, até aparecer bem na sua frente, as terras negras, um lugar de muita paz, com espaço para todos.

Alegrias, sorrisos, contentamento! Um olhou para o outro, que olhou para o outro, que então olhou para o outro.

O momento seguinte foi de um frenesi de asas de bacuraus que encheu o céu estrelado de um milhar de corpos rumo ao Nirvana. Afinal, quem não quer?

A mancha castanha escura, encobrindo as estrelas era bonita de se ver. Este é o exercício do espírito aventureiro e expansivo dos bacuraus, verdadeiramente em favor de todos.

Bico olhou para Betina, como quem esperava uma resposta, uma decisão. Betina sorriu e lhe asseverou.

— Está bem, vamos embora, já não adianta mais ficar aqui.

Lançaram o voo em linha reta que os levaria às terras negras. Quando Borba se deu por si, olhou para os lados e não achou mais ninguém.

— Terras negras, lugar de paz, Nirvana, só Bacurau mesmo para acreditar nisso. Vamos embora daqui, sozinho é muito pior.

Essa história de espírito expansivo, tem lá suas canseiras. Afoitos e precipitados, nem se deram conta de que não houve nenhum tipo de planejamento. Lá pela metade do caminho, o cansaço se manifestou. Bacurau não é águia nem gavião, voa aos poucos cobrindo trechos pequenos, com paradas para descansar.

Bico notou o desgaste e solicitou que parassem para o descanso em um terreno baldio, longe dos mostrengos que circulavam lá embaixo, com seu olhos de caçadores. Caçavam de um jeito estranho.

Apontavam seus olhos brilhantes na direção dos bacuraus, e depois avançavam rápido, passando por cima dos mais desavisados. Foi assim que seu irmão se foi. Não viu e não teve tempo de fugir. Acabou se chocando com o corpo de um daqueles gigantes.

Já mais descansados, puderam então retomar a revoada, rumo às terras negras, motivo daquela empreitada. Bico, acompanhado por Betina, seguia na frente mostrando o caminho.

Finalmente chegaram ao local. A mesma surpresa que tomou conta de Bico, agora se repetia aos olhos do bando. As manifestações de  júbilo, pela grandiosidade do lugar, eram inegáveis.

Fizeram um grande semicírculo, e principiaram a pousar nas novas terras, que na realidade era rígido como pedra. Não se importavam com isso. Era confortavelmente morno, e bastante sossegado. Como estivessem cansados, se ajeitaram logo para dormir.

Pela manhã, se recolheram para as árvores e bosques próximos, para escapar do sol. Ao anoitecer estavam de volta, tanto às terras negras, quanto aos descampados próximos, que acabaram assumindo, como parte do seu Nirvana.

Nas primeiras horas da noite, pegavam no ar toda sorte de insetos que pudessem encontrar, além de baratas, formigas, e o que mais se movimentasse no início da noite, mantendo o local inóspito para insetos.

Antes disso, no final da tarde, se deslocaram na direção de grandes construções que existiam, bem ao lado de suas terras. O lugar não tinha muito movimento. Porém, avistaram algo que lhes prendeu a respiração, de tão diferente que se mostrava.

Fosse o que fosse, era maior que os mostrengos habituais, muito maior. Pousaram nas imediações, somente para dar uma boa olhada e descobrir mais sobre aquele grandalhão. Esperaram por uma hora, duas. A noite caiu e nada daquele bicho se mexer. Chegaram à conclusão de que provavelmente, seria algum tipo diferente de abrigo, já que não parecia uma caixa como os demais. Se deram por satisfeitos, deixaram o bicho onde se encontrava e foram embora.

No terreno de pedra morna, o bando já estava se acomodando. Todo mundo de barriga cheia, agora é hora de repouso. Muita quietude, noite sem chuva. A procriação das aves se dá no chão. Também no chão, deixam seus ovos. Daí aquele calorzinho ser tão importante.

Noite alta, tudo tranquilo com todos dormindo. O lugar era de fato ótimo em todos os sentidos. Com a inconveniência de algumas luzes distantes, é verdade. Mas não era nada que não se pude relevar naquele momento.

Como todos dormiam, ninguém prestou atenção quando uma luz intensa despontou no céu escuro, e foi se tornando cada vez mais brilhante, mais brilhante. Até que em dado momento, um certo zumbido se fez ouvir. Um e outro pôde levantar a cabeça a ponto de ver aquele negócio se aproximando.

Foi Baê, que havia acompanhado Bico no voo e vigilância e inspeção, quando encontraram o abrigo com uma forma diferente. Arregalou os olhinhos pequenos e foi possível notar, contra o fundo estrelado, uma certa semelhança, daquele dali, com o outro no abrigo. Só que este estava se mexendo e muito, estava se aproximando. Tinha dois grandes olhos brilhantes e fazia um zumbido que só aumentava.

Ficou de pé, abriu as asas, e ficou como que hipnotizado, olhando aquele abrigo que se movia, e que só crescia, crescia e crescia. Não teve mais nenhuma dúvida.

— Um monstro! Um monstro! Ele está vindo para cá, e é enorme, vai passar por cima de todo mundo!

O bando principiou a se levantar, com cara de sono, e de quem não entende nada. Afinal, não era o Nirvana, o lugar de paz? E lá é hora de aparecer um monstro, justamente na hora de se dormir?

O ataque fatal, o bote gigantesco, que iria passar por cima e amassar a todos, já iluminava até quem ainda dormia. Não tinha mais jeito, não teriam a menor chance. Não contra um gavião tão grande, e com olhos maiores que os dos monstrengos. Foram poucos segundos e, Vruummm!

Com um zumbido ensurdecedor, seguido de um trovão, que fez centenas de corações minúsculos saírem pelos bicos, o gigante iluminou até suas almas, e depois, total escuridão. Ninguém dava o menor pio, estavam petrificados.

Betina retomava lentamente consciência de si mesma, e perguntou.

— Já estamos mortos, é assim que se morre?

Bico, buscando juntar as ideias na própria cabeça, chega a uma sutil conclusão.

— Se morreu alguém, foi de susto. Ele passou por cima sem tocar em ninguém. Não queria nos pegar, como fizeram com meu irmão e meu pai. Só passou por aqui e foi embora.

Constatado que todos estavam bem, apesar do enorme susto, retornaram a dormir. Só que dessa vez, no estilo dos bacuraus, um olho fechado e o outro no céu.

Não chegou a completar uma hora, desde o primeiro susto e novamente os olhos brilhantes estavam no céu mais uma vez.

Bico já estava prevenido e buscava orientar o grupo acalmando a todos.

— Não se assustem, ele só quer passar, fiquem onde estão e aguardem!

Os olhos brilhantes cada vez mais próximos, e agora todos acordadíssimos, esperando o que poderia acontecer.

— Tenham calma, tenham calma! Dizia Bico.

O gigante cada vez mais próximo. Foi quando Baê, vendo o monstro cada vez maior, principiou a gritar.

— Corre, corre, ele vem pra cá, corre!

A revoada de bacuraus se deu em meio às luzes brilhantes que enchiam o céu, a ponto de não se saber para onde se estava indo. Se corriam, se voavam, se esperavam. Acabaram se batendo uns nos outros, enquanto o monstro cruzava aquela faixa de céu com um barulho enorme.

Mais uma vez só a escuridão. Bico olhou para trás a tempo de ver o monstro tocar o chão com suas patas de gigante, e então, escorregando se afastar, quase em silêncio.

Borba olhou para o jovem atônito, como quem faz considerações eloquentes e espera respostas. Bico não as tinha, parecia que as terras negras, o Nirvana, já não era mais ali. Haviam chegado antes deles. Poderiam muito bem ser os intrusos, de um campo habitado por gigantes. O bando estava à beira do precipício mais uma vez, e sem poder voar. O que seria pior, a companhia dos gigantes, ou o retorno à terra dos monstrengos que liquidaram seu irmão, seu pai e tantos outros?

Bico se sentia pequeno e com razão, parecia que o mundo não os queria mais. Comedores de insetos já não tinham mais valor na ordem daquelas coisas simplesmente descomunais e onipresentes. Por onde quer que fossem, não encontravam o seu lugar no mundo. Aproximou-se de Borba lentamente, de modo incomum para um bacurau, que são saltitantes e gostam de correr, tanto quanto voar. O pequeno curiango estava decepcionado consigo mesmo.

— Eu não sirvo para mais nada. Um bacurau é um animal inútil, sem expressão, sem beleza e sem graça. Este mundo não é nosso, pelo menos não é o meu.

Borba virou a cabeça, e o encarou com o olho negro direito, onde havia um pontinho brilhante, como quem captura a luz de uma estrela distante.

— Quanto mais você afirma não ser daqui, mais você pertence a este lugar. Está desistindo, está abandonando a luta Bico.

Borba buscava motivá-lo, ante àquela onda de decepção. Bico era jovem e portador de talentos. Levara pancadas muito fortes, fosse pelas  perdas na família, fosse pela dificuldade em encontrar abrigo para o bando. Mas, era cedo para desistir.

— Pense Bico, pense. Descubra uma saída, este é o seu papel. Nos chamam de “Amanhã eu vou”. Vai amanhã por quê Bico, se eu o vi buscar e fazer logo, o que tinha de ser feito?

Parou por um instante.

— Eles precisam de você. Sempre haverá alguém que precisará de você. Baê é assustadiço, não saberá guiá-los. Não jogue fora o talento que a Divina Luz te ofertou. Ele tem valor sim, e é aqui onde você está, aqui neste mundo.

Virou-se enquanto olhava para a silhueta das árvores, e então prosseguiu.

— Você se acha feio e sem importância. Talvez, apenas não tenha prestado a atenção como deveria. O que seria de um mundo tomado de insetos de todos os tipos, e sem ninguém para comê-los?

Bico prestava atenção, enquanto Borba prosseguia.

— Quando a passarada voa fazendo o seu bailado, enchendo o céu de formas mutantes, todos param para olhar, admirar aquela festança de asas. Quando se canta, se enfeita as manhãs e as tardes, e então param para escutar. Se encantam até com os nossos pulinhos. Somos fiéis representantes da vida.

Bico guardou as palavras de Borba, e olhava para a extensa pedra negra adiante. Já havia presenciado muito do que o ancião dizia, e por isso, sabia que era verdade.

Manhã ensolarada, e os bacuraus se retiram da terra negra rumo às árvores e bosques, menos um.

Lentamente percorre a extensa faixa aquecida pelo sol, e descobriu algo que lhe fez muito sentido. Observou manchas negras no chão, mais escuras que o próprio solo. Parecia um riscado, alguém chegou e riscou aquilo. Linha pretas sobre o solo.

Lembrou do gigante quando tocou e escorregou adiante, se afastando logo depois. Havia um ponto, um certo espaço, a partir do qual os gigantes começavam a tocar na pedra negra.

Escorregavam tanto que a pedra ficava marcada pelos seus pés. Além disso, lembrou de mais uma coisa. Quando Baê começou a gritar, acordou e viu muitas luzes acesas, aquilo não estava ali antes. Depois que o gigante desceu, como que por encanto, as luzes na pedra se apagaram.

Descobriu ainda que os gigantes davam preferência a voar de dia. E como tal, gostavam de sair preferencialmente pela manhã. Ficou pensativo imaginando o que iriam fazer.

— Para onde será que vão? Não quero nem pensar no tamanho dos insetos que eles procuram para comer.

Como se não bastasse, notou que não eram atacados. Os próprios bacuraus é que entraram em pânico. Na realidade, se comiam insetos igualmente grandes, estavam protegendo os bacuraus de outro problema. O quebra cabeças estava ficando cheio de peças.

Bico saiu saltitando, achou um arbusto e sentou-se à sombra. Naquele momento, sentia necessidade de fazer exatamente o que Borba havia sugerido, pensar.

Achou uma conjugação de fatores, e precisava reunir tudo. Talvez obtivesse uma resposta. Relaxou, e deixou as ideias simplesmente fluírem, a tal ponto que adormeceu.

Tão logo o sono lhe envolveu, foi conduzido a uma cena noturna. Viu o bando de bacuraus confortavelmente reunidos na pedra negra e dormiam despreocupadamente. Foi levado de súbito, à pedra dos gigantes. Qual não foi a sua surpresa, ao ver grupos de gigantes enfileirados, luzes apagadas, e todos dormiam em silêncio. Acordou de repente, debaixo do arbusto.

— Ora, eles são parecidos conosco! Os gigantes voltam para dormir, exatamente como nós fazemos. Não querem nos matar, só querem dormir. É por isso que apagam as luzes.

Bico reuniu o bando e contou a todos as conclusões às quais havia chegado. Falou do local onde os gigantes gostavam de tocar a pedra e escorregar, quando estavam retornando. Falou de como dormiam à noite, e que provavelmente quando saíam, era para caçar insetos enormes, exatamente como os bacuraus faziam com aquela quantidade grande de insetos pequenos.

A cara de satisfação de Borba, era algo impagável. Olhou para Betina, ao seu lado. Ela estava entusiasmada com tantas descobertas, que abria o bico enorme dos bacuraus, de um canto a outro do rosto. Então era verdade, o desbravador Bico havia encontrado uma saída.

Na mente de Bico, o importante era aprender a conviver com os gigantes, conhecer seu comportamento, principalmente quando resolviam deixar o local e quando decidiam voltar, de tal modo a não ficarem no seu caminho. Poderiam encontrar uma forma de viver no local, e não serem obrigados a ir embora. Os bacuraus são pássaros muito resilientes, e Bico sabia disso.

Assim, passaram a ocupar as extremidades das terras negras, nos horários em que os gigantes costumeiramente estariam voltando. Quando o espaço estivesse desocupado, não haveria problema. Com o tempo aprenderam até mesmo a reconhecer alguns dos gigantes. Havia o gigante de dois grandes olhos, muito brilhantes. Havia o gordo, um gigante maior que os outros. O gigante do rabo quente, muito menor que os outros, só que muito barulhento. Estes eram os mais comuns, com os quais se tinha contato com mais frequência.

Aos poucos, todos foram aprendendo a lidar com os habitantes das pedras negras, e aprendendo a compartilhar. Posteriormente, descobriram ainda que os acesso por onde os gigantes passavam, também ficavam desocupados, e passaram a ser utilizados normalmente.

Cessaram as buscas e os conflitos. Bico finalmente encontrara o que todos queriam. Quando se caminha pela cabeceira da pista 09, e pela sua extensão, até a pista 27, os bacuraus ainda podem ser vistos em meio a escuridão. Porém, são animais por demais reservados.

Ante a qualquer tentativa de aproximação, eles não voam, mas se afastam saltitando rapidamente. Então param, e olham para trás, só para saber se insistem em persegui-los. Restabelecida a segurança, sentam-se e retornam à sua dormida habitual. Devem ter lamentado muito, o fato de as luzes do pátio de estacionamento de aeronaves permanecerem acessas. Mas compreendem isso também.

Go Back

Comment

Blog Search

Comments