Foto: Estevesbae
Por: Antonio Mata
O igarapé tem um quê de preguiçoso. Possui configurações diversas, em cores diversas, por leitos diversos. Enjoa do curso, sai, se muda, captura outro. Até pode mais uma vez se mudar.
Não precisa se obrigar ou forçar, pois aceita manejo e pode se acomodar. Os homens é que costumavam, ao invés de conduzir, aterrar. Quando corre manso em solo mais antigo, aceita a rocha que se assenta e solidifica. Na estiagem, deixa até que o leito tome sol por entre os cursos largos. Depois volta, sobe e cobre tudo, modelando ao sabor do tempo, sem nenhuma pressa.
Junta as areias, amontoa seixos, escava covas e mexe nas encostas. Trabalha no raso, mas também pode ser profundo. De bons amores, aceita plantas de fundo ou que flutuam. Se enquadra, mas empurra, se detém, mas afoga. Cai no degrau, avança, cai de novo. No lajeado, se é preguiçoso, junta o musgo, no outro se apressado, alisa e limpa a pedra. Vaidoso, cria cenários em profusão. Muitos serão admirados, outros simplesmente poluídos e esquecidos.
Recebe peixes e os abriga. Nas covas e buracos faz moradias, que para os mais incautos, são tal e qual armadilhas. Generoso, aquece; alimenta; esconde; mas protege da tormenta.
Lento e manso, só não consegue deter os homens. Por isso, não resiste à degradação. Se suja, contamina e se envenena. De mal augúrio, é o vidro de mercúrio. Inútil e pobre, esquecido permanece. Prossegue tristonho, até que sem vida apodrece.
Não resiste à escavação, não foi feito para isso. Cede à tomada das areias que guardara com tempo e paciência. Assiste ao assalto dos seixos, que o esvaziam até o buraco. Então querem o mais cobiçado, o mais sonhado e desejado. Tal qual animais alimentados à vil metal, fuçam seu leito atrás do ouro procurado.
Enlameiam suas águas e suas bordas, sugam peixes, plantas e algas. Desmancham seu leito, deixando-o perturbado e morto. Acabou a beleza do canal que passava, matava a sede e alimentava. Jaz ali, no meio das matas; desfigurado; corrompido e sem história. Corpo d’água, um indigente esquecido, sem vida passou, sem vida se foi.