Imagem: Wikimedia Commons
Por: Antonio Mata
Nem o vento que sopra suave, farfalhante nas folhagens, o rio que corre manso, nem o ar com cheiro de mato. Não foram concebidos para falar daquela história. Contar o que se sucedeu. Talvez nem saibam, e fosse melhor nem saber. Então, se calar e entoar outro cantar. Cantos de leveza, de beleza, cantos de paz.
Era noite, era dia, pudera ser muito cedo. Teriam oferecido mais tempo. Para uns, não era nada quando apontaram nos céus. Para outros, havia o som estridente que invadia tudo. Logo, o pesadelo iria começar fincando raízes, estrondos, fragmentos e lembranças que extrapolam a própria vida e o tempo.
As chamas perseguiam o som ensurdecedor, trazendo explosões, destruição e desabamentos. Foi quando tudo caiu. Como se não bastasse, prosseguiu incendiando, destruindo e caindo indefinidamente. Não queria parar mais, nem sair mais, nem viver mais. Tudo acabou e então sumiu. Só o estrondo monstruoso a estourar os ouvidos ficou.
Carpia pequena faixa de terra, um quarto hectare talvez. Um pouco de milho para a farinha e para guardar. Estava bom assim. Afinal, não havia tantas bocas para alimentar. O roçado dava conta o suficiente para todos. Ao final do serviço, bom mesmo era contemplar o céu ao balanço da rede.
Hamburgo, 1939-45; Roterdã, 1940; Coventry, 1940; Londres, 1940-41; Varsóvia, 1944; Dresden, 1945; Berlim, 1945. Estão nos livros, nas histórias e nos obituários. Tudo aquilo que se viu. Aquilo que se pôde ver.
Chuvas sobre as folhas e sobre a tapera. Até fazer um uníssono e extrair o cheiro da terra. Depois é só o pé no chão, a lancha. Pois seca e logo passa. O perfume da terra não. Esse fica, gosta de ser apreciado, depois volta.
— Você já conversou com essa gente? Já quis lhes explicar alguma coisa? Você já viu como são abobados? Parecem não ter preocupações na vida. No que depender dessa gente, daqui nunca sairá nada. Nem agora, nem depois.
— Tenha calma, é só o jeitão deles. Vivem assim há muitos anos. Estão adaptados, como que conectados ao lugar. Certamente que gostam daqui. O lugar é bonito, sabe?
— Apreciar a natureza, pescar alguns peixes, isso é uma coisa. Gostar de viver em Deus me livre, isso é outra. Essa gente não tem visão de futuro, não se preocupam com nada. São uns alienados, e não passarão disso. Nenhum deles me engana.
— Não diga isso, você está tomado de preconceitos. No fundo, é uma gente muito dada, muito amistosa. São ótimos para tomar conta do lugar. Afinal, é o contexto de suas vidas. Estão muito tranquilos aqui. De repente, os errados somos nós.
— Eu já sei, você vai sempre defendê-los. Não importa o que eu diga. Mas seja honesto com você mesmo. É só o que poderão fazer e mais nada.
Receptores de opiniões preconceituosas, esquecidos desde muitos séculos. Cuidando de suas vidas de modo muito rudimentar. Contudo, em contato harmônico e direto com as coisas da terra e da natureza.
Desde as terras da Austrália, com suas populações autóctones; às savanas sul-africanas; passando pelos vastos rincões amazônicos, os espaços naturais e suas populações sempre serviram de abrigo para almas destruídas pelos próprios homens.
Tais populações, ditas primitivas, tornaram-se receptáculos de um sem número de espíritos atormentados e enlouquecidos, no grande caldeirão fervente de múltiplos orgulhos da Europa.
Seres necessitados de refazimento, após terem sido submetidos à fome de destruição e conquista, de governantes igualmente bestializados, que já haviam sacrificado sua própria condição humana, ainda em vida. O orgulho e a enlouquecida soberba, matam antes da morte.
Estes últimos, assumiram outra patologia de dificílimo tratamento, exigindo sucessivas reencarnações depurativas, até a humanização se restabelecer mais uma vez. Em outras terras, em outros mundos, quem sabe. Aqui, talvez, nunca mais. Mesmo assim, e por mais que se busque evitar, por mais que se avise, parece que ainda não acabou.