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                                                                                                               Imagem: Wikimedia Commons - Dori

Por: Antonio Mata

Tudo bem, Miami não é nenhum paraíso na Terra, mas esta foi a cidade que o paraibano Fernando Arthur escolheu para viver. Trabalhando com hotelaria desde a sua chegada. Já se vão oito anos, desde sua vinda, sem saber se iria ficar.

De qualquer modo, também chegava sem emprego e sem inglês. Identificou-se com a cidade e com o movimento de estrangeiros, fossem visitantes, fossem aqueles que por lá se fixaram, notadamente os hispânicos.

Dentre estes, milhares de cubanos haviam se fixado, criando lá um bairro inteiro com características próprias. Em Little Havana, até as placas de sinalização estão em espanhol.

Fernando estabeleceu-se em um pequeno quarto alugado próximo de Downtown, no centro da Miami, onde acabou empregado, para exercer funções subalternas, e desenvolvendo seu gosto por hotelaria, chegando a gerente.

Acabou fixando-se em Downtown e dali, para frequentar Little Havana, logo ao lado e estabelecer amizades com os moradores de lá, foi só um pulo.

Estava tudo em paz no trabalho, com a carreira que abraçara e também com os amigos brasileiros, cubanos e outros tantos que conheceu na cidade. Vivia com Solange, uma mineira que conhecera em um simpósio sobre turismo.

Contudo, um sentimento ao qual em outros tempos não daria a menor atenção, parecia se acender, se manifestar, mesmo sem o interesse ou motivações para isso.

Não tem muito tempo começou a acordar no meio da madrugada com impressões que o incomodavam. Duvidava até de ter sonhado, classificando tudo como bobagens.

Porém, ao amanhecer, permanecia uma certa ansiedade. Como se algo ou alguém, já não estivesse mais no lugar certo, pensava. Pior, esse alguém dava a impressão de ser ele mesmo.

Por mais que não se importasse, o mal-estar também não passava. Muito menos obtinha respostas para aquele estado de coisas. A impressão ruim, transformada em angústia, começou a transparecer. A sugestão veio de sua mulher.

— Porque você não procura um psicólogo, ou um médico, um psiquiatra. Alguém que possa ajudá-lo nessa situação. Está me fazendo mal ver você desse jeito.

— É..., talvez você tenha razão.

O estado angustiante enfrentado por Fernando, o levou a um psiquiatra. Terminada a consulta, ainda continuava taciturno e pensativo.

— Ao ouvir seu paciente, o médico sugeriu alguns dias de repouso, na praia ou no interior, fora dos interesses comerciais.

Fernando acatou a recomendação de seu médico, assim como o uso de um ansiolítico que lhe passara, para aliviar a tensão nervosa. Por alguns dias, tudo prosseguiu muito bem. Até recomeçar tudo de novo.

Pouco antes do amanhecer, Solange notou que Fernando estava sentado na beira da cama com as mãos no rosto. Aproximou-se indagando se havia algo errado.

— Sente alguma coisa Fernando, algum incômodo, alguma dor?

A resposta veio a seguir. Um choro compulsivo e amargo que Fernando não conseguia mais deter. Chorou seguidamente sem que Solange pudesse entender o que se passava. Sem que Fernando pudesse explicar.

Mais alguns dias se passaram. Permanecia acabrunhado e silencioso, olhando para o vazio. Lembrava um interno de hospital psiquiátrico. O pensamento assustou Solange, que buscava ela mesma não pensar naquilo. Enfim, Fernando se manifestou.

— Preciso ir embora.

— Ir embora para onde? — Sobreveio um certo silêncio e o olhar vazio, com anteriormente.

— Preciso voltar para casa, para o Brasil. Paraíba, Goiás, Minas, sei lá. Só preciso voltar. — Dessa vez Solange surpreendeu-se com a resposta.

— Como pretende fazer isso? Você mesmo contava da dificuldade que foi, com a língua, com o emprego, até conseguir uma condição melhor. Por que isso agora?

— Eu não sei.

— É algum tipo de perturbação. Você houve vozes, é isso?

— Sim e não.

— Facilita Fernando, senão eu entendo menos ainda. — Ante ao silêncio do companheiro, prosseguiu.

— Soube do caso de um conhecido de minha família, lá mesmo em Minas. Ele sofria uma espécie de perseguição, tanto de dia como durante a noite. Chorava à toa e se desesperava. Quando vi você desse jeito, foi no que pensei. É que ele acabou sendo internado lá em Barbacena. Nunca mais se ouviu falar. — Completou oferecendo o receio de suas apreensões.

Balançou a cabeça, negativamente.

— Não, eu não sofro perseguições. Não há ninguém me perseguindo. Ninguém mesmo.

— Então o que é isso?

— São sonhos, lembranças, vozes de gente que já se foi. Mas não são fantasmas, assombrações. Não, não é nada disso. São vozes de pessoas queridas. Parentes, amigos, colegas de trabalho do tempo em que estava em Campina Grande.

— Se não te perseguem, do que se trata então?

— Paisagens da terra da gente. Coisas que vi e outras que acho que nunca vi, mas que estão lá. Coisas de lá, do Brasil.

— E você acha isso tão ruim assim?

— Ruim, ruim? Fico sem saber o que fazer. Sinto falta de tudo. Dos lugares, das pessoas, da comida, da música, das coisas de lá. Não me assusta o que vejo ou escuto. Muito pelo contrário. Dá uma saudade absurda, incontrolável. — Parou por um instante, enquanto Solange permanecia em silêncio.

— Só tira a minha atenção quando estou acordado e fico pensando nisso. Quando vou para a cama, não o faço com insatisfação ou medo. De jeito nenhum, quero ver tudo de novo, quero ouvir tudo de novo. Só me sinto dividido, perdido.

— Então é isso, você quer largar tudo e voltar para o Brasil. — Como quem instiga seu companheiro, lembrou-lhe do motivo de terem deixado o país.

— Lá, em algum lugar tem cinco ou seis mil dólares esperando por você? Nesses teus sonhos tem alguma coisa para mim?

— Tem sim.

— O que então?

— Querem que você volte também.

— Fernando, tenha dó. Depois de seis anos no balcão da farmácia? Não têm nada melhor para oferecer?

— Pelo que estou entendendo, o retorno é a própria oferta.

— Sinto muito meu amor. — Eu não posso, para mim já chega.

— Eu sei.

— E você, o que pretende fazer?

— Ainda não sei. Realmente não sei.

Ainda se passariam mais dias de conflito e indecisão, antes que Fernando chegasse a uma conclusão quanto a o que fazer. Só não compreendia direito o motivo do chamamento.

Uns compreendem um pouco, outros compreendem melhor e outros ainda, nada entendem e ignoram por completo. São os sucessivos avisos, sob a forma de sonhos, lembranças, fragmentos, ou mesmo mediante vozes, o recado pronunciado gentilmente, é um só. Voltem para o Brasil.

Tal pedido tem sido oferecido a todos os brasileiros que migraram para fora do país, sem exceção. O propósito é reunir todos os reencarnantes do Brasil, no país. É aqui que precisarão estar na medida que a Terra gradativamente entrar em convulsão, por conta de leis inderrogáveis.

É preciso retornar, e isto está sendo solicitado em seu próprio favor. Ainda que a expectativa de atendimento a esta orientação, sabidamente, não ultrapasse os dez por cento.

Dentre estes emigrantes, existem aqueles que têm a possibilidade de permanência na Terra e então poder compor a nova humanidade.

Contudo, o ambiente físico e social no mundo vai degradar drasticamente, colocando-os em risco e lhes expondo a um desencarne prematuro em um momento crítico de suas vidas.

Entre estes, existem aqueles que sentem vontade de retornar ao palco de sua existência anterior. Seu último reencarne. Isto sem se dar conta do motivo pelo qual, foi espiritualmente conduzido ao Brasil, onde deveria permanecer.

Da feita que cada um é livre para tomar suas próprias decisões, viverão os processos de transformação física e social do globo, no lugar que escolherem. A vontade de cada um será respeitada.

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