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histórias, crônicas e contos

Sementes do Sul

           

                                            Foto: Wikimedia Commons 

Por: Antonio Mata 

 

Encolhidos os dois, sentados junto a sarjeta. Caiu a noite, felizmente de um dia morno, para quem iria ficar no sereno da madrugada. Coisas para se pensar. Antes fosse para esquecer.

Não tinha nada para se dizer, nenhum lamento ou consideração. Somente olhavam para os veículos adiante, passando à meia distância. As roupas rotas, as sandálias gastas, o semblante carregado e deprimido de quem apenas espera. Perdeu, ganhou, ainda vai ganhar?

O sentimento era de perda. Melhor pensar que não se sabia, que não havia certeza. Por mais perturbador que possa se mostrar, antes admitir que o futuro a Deus pertence. Lançar nos domínios da esperança. É melhor assim.

Havia saudade naquelas horas, ansiedade, ou seria esperança ainda? A expectativa de um alento novo. Só sabiam de uma coisa: fosse onde fosse, era preciso recomeçar.

 

O ponto escuro se movimentando na estrada logo se mostraria ser mais um caminhão. Já percorrera uns 200km ou mais. Estrada de terra batida de muita poeira amarela, muito sol, suor e calor de doer a cabeça. Vinha solitário no meio do nada.

Aproximou-se, até parar na beira de um rio. Põem a cabeça para o lado de fora da cobertura de lona, olhando ao redor. Estrada, selva, uma faixa de areia e um rio.

— É aqui, chegou nóis?

—  Nada, ainda não, falta um pedaço ainda. — Dizia o motorista do caminhão. E completou:

— Tá vendo aquele barco ali? Pois é pra lá que vocês vão.

Olhava para o barco motor, não propriamente decepcionado com ele, porém cansado e preocupado com aquela viagem que insistia em não terminar, enquanto a luz do dia termina. Precisavam de algumas horas para fazer um modesto acampamento, onde quer que chegassem. Antes navegar a noite toda, pensava.

O barco, no meio do quê, não fazia muita ideia. Não possuía referências. Nomes não queriam dizer nada, não localizavam nada, não naquela hora.

Para onde quer que olhasse, a floresta parecia dominar a todos, com a sua imponência. Agora sentia-se um anão observando aquelas terras tão densamente cobertas de vegetação. Parecia não ter como entrar.

O rio, que não achava ser grande, talvez tivesse ali no ponto onde o barco se encontrava, não mais que uns oitenta metros de largura. Passava manso, alheio a todos os homens.

De qualquer forma, chamou a todos para embarcar.

— Gente vamos embora, passa tudo para o barco. Tô preocupado de se chegar à noite em lugar que não se conhece. Não tô gostando nem um pouco. O homem falou que vão deixando as famílias e vão avançando. A nossa é a última.

Transferiram alimentos, pertences e ferramentas para o barco. Traziam consigo foices, facões, enxadas, machados e uma plantadeira. Tinham pressa em prosseguir o mais breve possível.

Na partida, com as pessoas acomodadas em redes no barco, havia uma certa quietude, só interrompida pelo barulho do motor, na sua batida cadenciada e monótona. Pelo que se havia dito, chegariam no mesmo dia, ao longo de sete horas de viagem. É aí que morava a preocupação de Ademar.

Serpentearam pelo rio que se alargou mais adiante, e a cada parada, a expectativa de uma retomada rápida da viagem, que porém, não fosse brusca. O que quer que fizessem aos demais, fariam com eles também.

Com o sol querendo baixar por de trás das árvores, identificaram um determinado ponto na beira do rio, na margem direita do canal. Haviam finalmente chegado.

— É aqui sim, chegamos. Vou encostar e vocês podem descer. — Dizia o piloto.

Começaram a descarregar suas coisas e sete pessoas. Três adultos, dois adolescentes e duas crianças. O ponto demarcado com uma tora fincada em pequeno descampado de vinte metros de frente por dez de fundo.

Uma rápida despedida, agradecimentos seguidos de desejos de boa sorte. O barco se afastou da margem e então se foi. Alguém escreveu em algum lugar que um barco não deixa rastro. Para quem se sente no meio do nada, esta ausência de rastro, de uma referência conhecida, é só mais uma angústia que ficou, só mais uma solidão.

Em uma hora ou pouco mais, já seria noite. Era o tempo que havia para se construir, literalmente na raça, qualquer coisa que se parecesse com um abrigo.

Uma fogueira que custou a queimar, dois paus fincados no chão com uma corda pelo alto e uma lona por cima. Redes e cobertores no chão, e muito, muito mosquito. Estavam moídos demais pela viagem para se preocuparem com outras questões. Com ou sem mosquitos, caíram todos no sono. Foi assim a chegada na Amazônia brasileira, a última fronteira. Um lote de terra em floresta virgem, tudo desconhecido.

 

Fazer vida neste chão

Os rostos e braços cheios de calombos vermelhos salientados na pele clara, contavam sobre os confortos da noite. Enfim, sobreviveram às boas-vindas dos mosquitos. Não havia galo cantando nem cachorro latindo. Em troca, um coro de pássaros enfeitava o amanhecer com trinados e gorjeios diversos o novo amanhecer. Tudo novo, tudo para se viver, tudo por se fazer.

Maria da fé tratou de arrumar um braseiro para o primeiro café no acampamento improvisado, enquanto Eliel, seu filho, providenciava mais lenha. Ademar e Eraldo circulavam ao redor, na companhia de Leandro, um dos adolescentes, imaginando por onde começar primeiro.

Bobagem querer tocar fogo naquilo tudo, com tão pouco espaço para alojar as pessoas da família. Além de poucos para ajudar, caso perdessem o controle da queimada.

Fariam pequenas queimadas controladas e então avançariam lentamente. Umas poucas dezenas de metros por vez, para então proceder a limpeza destes pequenos quadrantes. Desprovidos de motosserra, a aventura começaria na força dos braços e machado bem amolado.

Podia naquele momento, parecer uma bobagem. Bastaria tocar fogo na direção do vento, portanto deixando o pequeno acampamento para trás, e tudo estaria muito bem.

Só não é bem assim.

A decisão de se fazer pequenas queimadas de poucas dezenas de metros, de modo a se controlar as chamas, livrou a todos de incêndios enormes que queimavam por vários dias, sem controle algum. A ponto de engolir outros assentamentos pelo caminho. Não foi uma nem duas vezes que deu tudo errado.

Precisavam de madeira para construir e queimar, além de mais espaço. Criariam uma clareira de uns 100 metros de frente e penetrariam o máximo que os braços permitissem. Limpar o primeiro hectare, era o nome do serviço. Limpar e plantar, extrair o próprio alimento. Feijão, milho e macaxeira viriam na frente.

Havia peixes no rio e caças por perto. A espingarda de um cano só, recebendo um cartucho por vez, acharia serventia em breve. De preferência, para uso em mãos certeiras, pois só havia nove cartuchos de munição.

Ademar teve que enfrentar o desconhecido, até obter resultados. Dos nove cartuchos, quatro se perderam, os cinco restantes trouxeram carne de cervídeos e porcos-do-mato para o acampamento, salgados e postos a secar com a ajuda de Maria.

Joana e Hugo, os menores de dez e onze anos acompanhavam Maria em pequenos afazeres, até para mantê-los ocupados, e evitar que fossem para longe. Já Leandro, era filho de Eraldo e o acompanhava nos afazeres dos homens.

Nas suas primeiras incursões na mata, a poucos quilômetros em busca de caça, Ademar encontrou um veado-mateiro. Motivo de satisfação de um lado e de alerta do outro. Onde tem veado costuma ter o seu caçador preferido, e não é o homem.

Contava ao irmão Eraldo as novidades dos dias que se seguiam.

— Olha só, já encontrei veado na mata e isso pode significar a presença de onça por perto. Agora é procurar deixar o fogo sempre acesso durante a noite, até ter casa fechada e uns cachorros para dar o alerta. — Avisava ao irmão.

— Não tô gostando disso nem um pouco Ademar. Esse negócio de todo tipo de bicho por essas terras aqui. Tem onça no meio do mato, pode ter jacaré no rio, sucuri e piranha. Não tá fácil não. É muito serviço e tudo muito perigoso. Onde é que eu fui amarrar o meu burro...

— Calma Eraldo, sossega. Precisa ficar calmo para não assustar os outros. Além do mais, você ainda não viu a sucuri, nem o jacaré, nem a piranha. Cuidado para não assustar os demais. — Então prosseguiu.

— Vou avisar a todos para que não se afastem do acampamento e que não deixem as crianças sozinhas. No mais, é manter o terreiro limpo, enquanto conseguimos madeira para a casa.

O trabalho no campo prosseguia com a limpeza de mais três hectares de mata. As mãos esfoladas e a pele queimada atestavam todo o esforço necessário no desmatamento. Arrancar a maior parte dos tocos e raízes para poder iniciar o plantio. Asseguraria a alimentação do grupo, criando um excedente comercializável.

Os norte-americanos chamam seus agricultores de rednecks, os caipiras. Já deu para entender por quê.

O excedente era o que todos desejavam. A aquisição de máquinas básicas era fundamental para o sucesso da empreitada. Contudo, isto só seria obtido através da força dos braços de todos os adultos, pois constituíam, desde milênios, a energia disponível.

Assim, os tempos de 1975 foram passando. Um esforço contínuo, quase uma obstinação, para manter a propriedade operosa e produtiva. Solo ruim, coberto com fina camada de cinzas, bem menos que terra preta de índio.

Esta, quando algum colono a encontrava em seu lote, era motivo de muita festa. Era sempre uma fração de hectare, porém com muito humus. A terra preta favorecia o plantio com volume melhor de produção na sua utilização. Isto dava tempo para o agricultor acumular algum recurso, superando as etapas iniciais com um pouco mais de desenvoltura.

Não foi assim para Ademar, Eraldo e seus familiares. A terra preta, surgida do acúmulo de matéria orgânica de antigas plantações indígenas, não apareceu. O que a terra preta tinha de útil, tinha de rara.

A primeira safra se mostrou modesta em todos os sentidos, por conta da área pequena que fora plantada. Superou certamente o cultivo de subsistência, porém mal cobrindo despesas básicas na comercialização do excedente de milho e feijão. Assim, havia pouco querosene, velas, pilhas e sabão. Era preciso priorizar a compra de sementes. O sonho de máquinas para apoiar o roçado, ficou para depois.

Nesse ínterim, a malária, velha sombra que abraça os recém-chegados à selva, cobrava seu quinhão. Leandro, filho de Eraldo, Hugo e Joana, filhos de Ademar, contraíram a doença. O uso de um simples mosquiteiro poderia ter protegido a família. Depois de quatro dias de febre, a pequena Joana faleceu. Estava dentro da canoa com Ademar e Eliel, que subiam o rio em busca de socorro, que não se encontrou a tempo.

A comoção e a tristeza tomaram conta dos colonos. Eraldo sentia que era hora de abreviar tudo aquilo, e naquele mesmo dia tomou a decisão de deixar as terras de lado e retornar para o Sul, custe o que custasse. Aguardaria apenas por Leandro, estava esperançoso de sua recuperação. Três semanas depois, chamou Leandro, seu filho, pegaram uns poucos objetos pessoais e se prepararam para partir. Eliel seguiria com eles para trazer a canoa de volta.

Maria e Ademar sentiam um peso enorme sobre suas costas. A perda de Joana fora um golpe inesperado e difícil. A partida de Eraldo e Leandro foi outro. Dois pares de braços a menos na lavoura, duas vozes a menos para se ouvir, naqueles rincões tão desabitados, onde tudo parecia tão distante. Porém, acalentados na fé e na oração, decidem continuar.

— Não tem outra saída não Ademar. É continuar sempre, voltar eu não quero e nem se pode. É o mesmo que aceitar a derrota, é aceitar que a nossa Joana morreu por nada.

Ademar permanecia em silêncio. No fundo sabia que Maria da Fé tinha razão. Era muito cedo para pensar em desistir. Maria prosseguiria com seus afazeres e apoiando na lavoura. Hugo passaria a acompanhar os homens da família. Era preciso continuar, até alcançar algum remanso.

Dias após a partida de Eraldo e Leandro, Ademar e Maria foram procurados por um grupo de colonos, todos enfrentando os mesmos desafios, dificuldades e agruras. Josuel, o líder do grupo de visitantes, expôs rapidamente o motivo daquela visita e os convidou para uma reunião que seria realizada em propriedade a poucas horas dali.

Pela primeira vez Ademar ouviu falar em uma cooperativa de produtores. A melhor forma de se ter acesso às máquinas de que tanto necessitavam. Os equipamentos seriam adquiridos em comum acordo e disponibilizados para o serviço a todos os participantes. O cooperativismo abria novas possibilidades para a colonização. A luz no fim do túnel, aos poucos estava chegando.

De início só foi possível adquirir um único motor estacionário que seria então repassado entre os colonos daquele grupo de cooperativados. Não se podia esquecer o lapso de tempo disponível para a utilização da máquina naquela fase do serviço. O grupo não podia ser grande demais.

Debulhar o milho manualmente, por exemplo, era algo muito usual. Alguns chegavam a desenvolver técnicas, como esfregar um sabugo seco no milho a ser debulhado, como se fosse uma raspadeira, e assim economizar os sacrifícios dos dedos. Isto atende no aspecto doméstico da questão. Se existe a necessidade de se fazer produção para comercializar, agora é preciso acelerar o trabalho, e muito.

Diminuir o esforço humano e aumentar a produtividade através do movimento de rotação, do atrito e da alavanca, abre caminho para a criatividade, e com ela, toda sorte de engenhocas mecânicas no domínio da física. A tal da história que se repete.

As gentes do sul possuíam mais trato com estas engenhocas. Pouco ou muito, já havia escolarização principalmente para os mais jovens. Além do que, muitos haviam crescido vendo estas engenhocas mecânicas, feitas em madeira ou em metal, funcionando. As histórias dos “engenheiros da roça”, gente simples, apoiada na observação da roda, da alavanca e das engrenagens, circulavam pelas terras do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Máquinas manuais, algumas bem práticas, auxiliavam sim, porém ainda operadas pela força muscular. Ante a necessidade de produtividade, fazer mais em menos tempo, o motor a combustão interna acoplado a um complemento, um insumo específico, no caso um debulhador, era insubstituível.

Era o pulo do gato, até poderem adquirir seus próprios equipamentos e máquinas. A luz adentrou o túnel de vez, e acenava para dias melhores.

 

Desencanto

Encolhidos os dois, sentados junto a sarjeta. Coisas para se pensar, antes preferissem esquecer. Eraldo amargurado, com fome e sem dinheiro, não dizia palavra. Mais uma noite de espera. Havia uma torneira de jardim onde enchiam a barriga com água. A última moeda servira para comprar dois pães, no dia anterior.

Não era propriamente orgulho. Pedir nas ruas, para quem está acostumado a prover o próprio sustento, ainda mais com o filho do lado, era humilhação demais para o paranaense Eraldo. O pai é a referência, é aquele que ensina, que mostra aquilo que aprendeu na vida. Fátima já se fora há muito tempo, por conta de uma complicação cardíaca. Ficara com Leandro, o filho mais novo, os outros três já haviam se estabelecido no Paraná, e por isso não vieram com eles.

Quando Ademar o chamou para seguirem juntos para a Amazônia, não havia nada que julgasse ser um impedimento. A vida não o havia oferecido muitas opções. Lavrador de pé no chão, filho de lavrador de pé no chão. Semianalfabeto, o manejo da enxada, da foice e do machado, era o que sabia fazer. Aquele tipo de gente do qual se diria: “não tem um palmo de terra para cair morto”.

Eraldo não havia seguido diretamente para o sul. Ainda não pensava em voltar. Foi tentar a sorte em Porto Velho, onde se dizia que poderiam conseguir trabalho. De fato, algum trabalho pôde obter. Contudo, era pouco, os ganhos sempre limitados e a dificuldade grande.

Um ano e meio depois, decidiu seguir para Manaus. Havia aquela história de zona franca. Falavam também de um certo distrito industrial que estariam construindo na cidade, e Leandro já se aproximava dos 18 anos. Através de um voo do CAN, o Correio Aéreo Nacional, lhes foi possível chegar em Manaus.

Eraldo não havia deixado de lado sua ideia original, motivo de terem se afastado de Ademar e dos demais. Prosseguir e retornar para o Paraná.

A estadia na nova cidade não surtiu efeito desejado. As habilidades e conhecimentos de Eraldo e Leandro se prendiam às coisas da terra. A vaga na indústria não se concretizou, o subemprego nas ruas da cidade, tão indigente quanto em Porto Velho. Já quase sem dinheiro, Eraldo e Leandro passam a pleitear o apoio do Correio Aéreo para chegarem no Rio de Janeiro.

Do Rio prosseguiriam para o sul do país. Foi assim que passaram a pernoitar nas imediações do Correio Aéreo, aguardando a disponibilidade de vagas.

O CAN não oferece garantia de embarque, e sim vagas remanescentes, caso existam, e o comandante da aeronave autorize a disponibilidade. Obter um voo torna-se algo incerto e pode levar dias. De fato, levaria uma semana.

Manhã de uma quinta-feira. Naquele dia estava prevista a saída de um voo para o Rio de Janeiro, e a seguir um voo para Porto Velho. Muita gente aguardava no saguão quando se iniciou a chamada para confirmação dos passageiros e verificação dos ausentes, de modo a se determinar se haveria ainda vaga disponível. Concluída a verificação, todos os passageiros presentes. Não haveria nova chamada para o Rio de Janeiro.

Eraldo e Leandro começaram a entender que as coisas não costumam ser tão fáceis como eventualmente possam parecer. Sem dinheiro, sem emprego e com fome, permaneceram próximos do local, pensando no que fazer. Tornaram a se acomodar na guia da sarjeta. Era Leandro quem balbuciava:

— Pai, a gente não devia ter saído da terra. Não era para desistir assim tão cedo. Era para lutar mais, trabalhar mais. Meu avô trabalhava na roça, o senhor e a mãe também. Era a chance de a gente ter um pedaço de terra pai. Não era para desistir não.

Eraldo ouvia sem se manifestar. Estava confuso, desiludido consigo mesmo, e humilhado com tudo o que estava acontecendo, desde que deixaram as terras do rio Jaru. Parecia que nada que buscasse dava certo.

Ato contínuo, um soldado da equipe do CAN, se dirige à frente do saguão, onde havia ainda umas poucas pessoas. A maioria já tinha partido.

— Atenção por favor! Alguém para embarcar para Porto Velho? Vagas disponíveis para Porto Velho. Alguém para Porto velho?

Leandro ouviu aquilo e ainda levou alguns segundos para entender. Virou-se para o seu pai.

— Pai, é para Porto Velho pai, tem vaga. Vamos voltar pai!

— Voltar Leandro, para passar fome na cidade de novo? Sem conhecer ninguém de novo?

— Não pai, não é para ficar em Porto Velho. É para voltar para o assentamento pai. Vamos voltar pai, a gente consegue, vamos embora pai!

Eraldo ainda estava vacilante, com Leandro lhe puxando pelo braço. Até que passou a acompanhá-lo e retornaram ao terminal do CAN. Havia oito vagas disponíveis e só eles dois apareceram para embarcar. Sorte, azar, doideira de mentes perturbadas. O que se sabe é antes do meio-dia estavam de volta a Porto Velho.

Caminharam debaixo do sol até a BR364, onde conseguiram carona de caminhão até o distrito de Jaru. Tiveram de pernoitar ao relento em Jaru. Na manhã seguinte conseguiram carona para descer o rio Jaru e finalmente alcançarem o assentamento. O que viram surpreendeu a ambos.

A lavoura havia aumentado sua área e florescia enfeitando o campo. Na moradia, na presença de alguns equipamentos, percebia-se a condição de melhoria.

— Tio, tio, tio! Era Hugo, já com treze anos, o primeiro a avistá-los. Logo os demais viriam.

Eraldo temia a não aceitação dos demais, principalmente do irmão, Ademar. Saíra de repente, sem maiores explicações, e agora encontrava a lavoura bem cuidada e crescendo. Sentia-se mal naquele momento.

Armando foi o último a aparecer. Se aproximou do irmão e um fitava o outro. Não havia palavras naquele momento. Foi Eraldo quem quebrou o silêncio, e meio sem jeito se dirigiu ao irmão:

— Foi um erro meu irmão..., foi um erro. De tantos outros que cometi na vida. Ainda levei Leandro comigo.

Armando, olhava para o irmão, e de voz embargada, em um início de pranto, abraçou Eraldo.

— Esquece isso Eraldo, esquece isso. A gente veio pra cá junto. É pra continuar todo mundo junto. Isso aqui é tudo nosso, meu irmão. É a propriedade da gente. De você e do Leandro também.

Eraldo não fazia ideia, e ainda que fizesse, talvez nem compreendesse direito. Entretanto, não por inveja, ou por se  sentir desconsiderado, mas por pura impaciência e falta de determinação, abandonara seu grupo de pioneiros com a empreitada ainda no nascedouro.

Reproduzira nas suas andanças, a parábola do filho pródigo, que abandona sua família em busca de outras possibilidades em terras estranhas, e que acabou comendo o resto dado aos porcos.

A caminhada cheia de dificuldades, impedimentos e fome, foi necessária para que pudesse amadurecer e valorizar o trabalho que ele mesmo havia ajudado a começar. Ainda assim, Leandro, seu filho, foi mantido com ele para ajudá-lo a se decidir. Eraldo só o ouviu, depois de apanhar muito da vida que ele mesmo criou. O futuro é uma promessa a ser construída com trabalho, esperança e fé.

O antigo Território do Guaporé, depois Rondônia, tornou-se o 25° estado da federação brasileira em 22 de dezembro de 1981. Brasileiros de diversos estados que haviam se deslocado para a região, em busca de ouro, cassiterita, madeira e terras, festejaram a criação do novo estado. As sementes do Sul estavam entre eles.

 

Prestimoso encontro

No silêncio do ambiente em meia luz, as comunicações se sucediam.

— Olá, em que podemos ajudá-lo?

— Boa noite, preciso apenas de sua atenção, se me permite.

— Mas, claro, o que o trás até nós?

— Somos acostumados à semente, do grão, do plantio, da agronomia, do trato com a terra. De todos os tempos, de todas as terras, em todas as partes do globo. Hoje estamos aqui, na terra das grandes florestas. Então, prosseguiu.

— Houve um tempo em que cruzávamos o Crescente Fértil. Os tempos dos grãos de trigo e do painço. Depois, veio o Nilo, o grande rio da vida e das várzeas. Outro tempo, e as planícies da Europa. Na América ensinávamos o cultivo do milho, da batata e da mandioca. Somos trabalhadores do alimento, é a nossa afinidade natural. Também acompanhamos a expansão do cultivo na América do Norte. Depois fomos para o Sul da América.

— Que longa história. Como vieram parar aqui?

— Viemos incentivar as sementes do Sul a virem para cá, ante a necessidade. Há um planejamento que hoje afeta todo o seu país. Da parte que nos cabe é incentivar o plantio. Primeiramente chegamos no Pará, Rondônia e Roraima também. Agora nas várzeas amazônicas. É a vez das várzeas e das terras degradadas, abandonadas. Produzam alimentos, foi a ordem dada.

— Então vocês fazem parte de um grande grupo?

— Sim, aqui na Amazônia somos 50 mil. Existem outros grupos em outras regiões. Nosso trabalho é aqui, e a ordem que buscamos cumprir é esta: produzam alimentos.

— Entendi, então suponho que isto tenha a ver com as transformações do nosso mundo, a transição espiritual da Terra?

— Com toda certeza. É preciso preparar as próximas etapas, caso contrário, o mundo irá sofrer pesadamente, para além dos erros provocados, que são os causadores desta provação, e isto não pode ser. Lembremos sempre que Deus não castiga, mas educa. Assim, é preciso que o planejamento seja cumprido na sua integridade. Nosso governador, Jesus, não faz planos pela metade. Daí a ordem: produzam alimentos.

— Fantástico, agradecemos imensamente por suas palavras, muito obrigado.

— Nós é que agradecemos. A paz do Cristo.

                                           FIM

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