Por: Antonio Mata
Cuidavam de seus afazeres banhados por uma luz suave e penetrante. O tom esverdeado da folhagem fina, logo acima, ajudava a criar um ambiente aconchegante. O tapete inferior, em outro tom de verde, completava o cenário bastante silencioso.
As raízes flutuantes, muitas vezes chegando até o fundo das águas. Naquele fundo, concentrações criavam como que pequenos bosques subaquáticos.
Era um pequeno mundo líquido e frio. Cheio de tonalidades e reflexos. Seus habitantes eram reunidos e se agrupavam em lugares distintos, saindo eventualmente para circular, porém, voltando para casa logo.
Uma espécie de afinidade sempre os fazia voltar e se agrupar. Proximidade, segurança, identidade. As formas e cores ajudavam a separar cada grupo.
A vida seguia adiante no mundinho que, por muito favor, teria uns duzentos metros de extensão. Talvez um pouco mais. Um terço disso na largura. Tapete belo, de cores frias e sempre molhado. Por pacífico que fosse, não haveria de ficar fora das vicissitudes da vida animal, do clima e os outros.
Um pequeno grupo de cardinais, naqueles dois palmos de água limpa e clara, circulava lentamente exibindo suas cores em prata azulado, vermelho e branco. Tudo isso em 2 centímetros de comprimento, por 0,3 de altura.
— Você viu o Chico?
— Eu não. Não sei direito quem veio conosco.
— Mas ele estava logo aqui atrás. Saiu junto conosco. Sempre empurro ele para a frente. Mas, como é gordo e preguiçoso, acaba se afastando da gente.
Olhou para trás, para a frente e prosseguiu.
— Deve ter voltado. Vai ver não queria mais procurar crustáceos nem algas. Acho que perdeu a fome.
Outro, entrou na conversa.
Nós saímos em vinte. Aqui só tem doze.
— Então voltaram. Já notou que nem todo mundo quer sair? Podem ter descoberto outro lugar com algas.
— Eu sei, mas só vou acreditar quando me mostrarem esse lugar novo. Sendo assim, melhor voltar por outro caminho.
Em outro ponto do lago, um grupo de coridora anã vasculhava as águas de cima até embaixo buscando larvas e insetos minúsculos. Primeiramente circulavam bem rente ao leito, por debaixo da vegetação, buscando tudo que fosse comestível.
Depois recolhiam o que tivesse se soltado e subido. Prosseguiam então, vasculhando as plantas flutuantes por debaixo e depois recolhendo alimentos flutuantes na superfície.
Uns quarenta exemplares. Escuros, quase preto na altura da cabeça, clareando e ficando transparente na direção da cauda. A ponto de se ver sua minúscula espinha dorsal. Sempre pacíficos e muito, muito operosos.
Não havia canto entre as plantas, reentrância ou buraquinho que não verificassem. Metódicos e pacientes, quando terminavam sua busca, não havia mais nada que um peixe pudesse comer por lá. Não se tivesse 1,5 cm como o coridora anão.
— Quem vasculhou daquele lado cheio de plantas? Toda vez demoram muito e acabam ficando para trás.
— Não ligue, é o jeito deles. Depois aparecem e se juntam aos demais. O cardume não para de crescer. Assim, ninguém precisa ter pressa. Aqui tem espaço e comida para todos.
— Não sei o que é melhor ou pior. Ir à frente ou ficar para trás.
— Ora, você está em dúvida? Então, fique no meio. Mas não vai reclamar depois, que já comeram na sua frente.
Mais ao centro, uma dúzia de rodóstomos deslizava sossegadamente, mostrando seus costados em vermelho na cabeça, prata pelo corpo, com preto e branco na cauda.
Tudo o que pudesse caber em 4 a 5 cm de comprimento. Muito unidos, faziam tudo em conjunto, apresentando um suave, colorido e característico bailado.
Faziam também a catação de minúsculos crustáceos, insetos e algas, enquanto deslizavam. A fartura do lago atendia a todos. Daí, a ausência de preocupações e de pressa.
— Ei, me diga uma coisa. Por que todo mundo sobe e desce junto? Não poderia ser diferente?
— Poder, até que poderia. Só não sei de traria o mesmo resultado.
— De que resultado está falando?
— Nadando juntos, a proteção fica mais eficiente. Como todos prestam atenção, para onde um fugir, todos fugirão. Assim evita que se percam por aí sozinhos.
— Entendi. E por que ocasionalmente some alguém?
— Some alguém, quem?
— Não sei, me disseram que por vezes some alguém.
— Quando estava em cima, embaixo?
— Bom, eu não perguntei.
— Então descubra.
— Está bem.
Deslizavam por sobre as concentrações de plantas aquáticas. Bem no ponto onde as raízes que vinham de cima tocavam o fundo. Adentraram a área repleta de raízes procurando alimento em suspensão na água.
Após percorrerem todo o perímetro, muito raso, onde a coluna d’água se limitava a uns 15 cm, tamanha a quantidade de vegetação, deixaram o local. Tão tranquilamente como quando haviam chegado. Já tinham recolhido todo o alimento.
— Ei, quantos de nós começamos este percurso?
— Uns doze, eu acho.
— Agora só tem dez.
— Está faltando alguém?
— Vinha conversando com um dos maiores entre nós. Que me contou para ficarmos juntos, para se ter proteção.
— Onde ele está?
— Acho que ele..., sumiu.
— Vai ver, apenas voltou para casa mais cedo.
Vida de cardume, comportamento de cardume. O cardume precisa sobreviver. Por uma razão bem simples e necessária. É preciso alimentar peixes maiores. O fim do cardume é o fim da cadeia alimentar e com ele o despovoamento dos rios e lagos.
Umas poucas traíras havia adentrado o lago e por lá viviam há uns dois anos. Escondidos na farta vegetação de fundo, seu corpo preto e cinzento desaparecia.
Animais de tocaia, aguardavam a passagem dos peixes menores. Abriam sua boca grande e com grande velocidade, sugavam praticamente os pequeninos. Como os menores são muitos, não faltava alimento. O predador espreitava os demais e isso era tudo.
Mesmo assim, o equilíbrio dependia de não se aumentar drasticamente a quantidade de predadores. Contudo, as traíras estavam ainda no início de suas vidas. Estas, duram 18 longos e devoradores anos. Tempo em que tudo pode acontecer. Para caçadores e para caçados.