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Sentia-se acuado por conta da falta de espaço, de liberdade. Parecia que lhe haviam confiscado as ruas, os caminhos, as esquinas. Tamanha era a dificuldade.
Adotou de circular nas duas últimas horas do dia e no início da noite. Evidentemente que não era a mesma coisa, mas era o que podia ser feito. Perdera o emprego já se passavam dois anos, quando a loja em que trabalhava fechou. Foi engrossar a multidão do subemprego.
Oferecia o que estivesse à mão, nas esquinas e semáforos da cidade. Desde bananas até bugigangas eletrônicas.
O calor era enorme. Ninguém tinha a lembrança de dias tão quentes. O sol brilhava com tal intensidade, que o simples transitar de um quarteirão ao outro estava se tornando impossível. Mesmo à sombra havia uma condição de mal-estar. O céu absolutamente claro. Quase não se via nuvens. Trabalhar, circular estava se tornando pesaroso.
Quantas vezes pensou em parar? Uma vontade grande de desistir. O deslocamento até o próximo carro, um desafio sem retorno certo.
— Não vai dar mais. Dizia.
Um princípio de desespero se avizinhava de sua mente.
As mangas compridas só aumentavam o calor. Já andava coberto dos pés à cabeça. Muitos que trabalhavam nas ruas já haviam se afastado. Nos veículos, muitos já não abriam a janela com medo da insolação e do calor. Em certos trechos o asfalto amolecia, a ponto de grudar nos calçados.
Evidente que não se tratava de um problema somente dos ambulantes da cidade. Todos padeciam na mesma onda de calor.
Para quem ainda possuía um emprego, a lógica do horário de expediente tornou-se útil. Eram uns felizardos. Bastava sair de casa de madrugada e chegar bem cedo. Para sair do estabelecimento, por garantia, só após o pôr do sol.
As fábricas podiam ainda remanejar pessoal para o horário noturno. Aliás, muita coisa passou a ser feita somente à noite. Consequentemente os assaltos, o banditismo, também foi transferido para a noite. Era quando se encontravam as multidões trabalhando, ou voltando para casa, mais que antes.
Havia aqueles que optavam por trocar o dia pela noite. O problema todo era voltar para casa e dormir sob o intenso calor. As moradias não estavam minimamente preparadas para enfrentar a pesada onda de calor.
Com teto baixo; caixa de ar de baixa altura; sem forro ou minimamente forradas; as lajes expostas ao sol; as coberturas em telhas metálicas ou telhas de fibrocimento. Tudo isso, somado às paredes expostas ao sol, só tinha um resultado: O calor interno se tornava insuportável.
As caixas de água, internas ou expostas ao sol, somente armazenavam água muito quente. Seria preciso que recebessem proteção, fossem envolvidas com manta térmica, para que não absorvessem o calor armazenado logo abaixo do telhado e houvesse saídas para o ar circular sob os telhados.
Melhor, guardar água em baldes, pias e tanques domésticos ou latões à sombra, para que não absorvessem tanto calor, até a hora do banho. Manter a água fora do sol e do calor durante o dia.
Crianças e idosos pelo mundo afora, padeciam de tanto calor. As queimaduras na pele se tornaram comuns para os desavisados e para as crianças, filhas de pais desavisados.
Os hospitais lutavam, mais uma vez, com a multidão de pessoas com complicações respiratórias e casos de insolação.
Aspecto de grande relevância, o fornecimento de energia elétrica, ante uma estiagem extrema, tende a encarecer e a diminuir, por conta da diminuição de água nos reservatórios.
As quedas no fornecimento de energia nas cidades se tornaram constantes. Foi preciso priorizar o bombeamento de água, onde ainda era possível bombear, e o zoneamento da cidade para o fornecimento de energia, por partes. A falta de água sob condições tão extremas, rondava as cidades. Reservar água em locais frescos tornou-se importante.
Uma beira de rio, um bosque, um passeio na praia, às primeiras horas do dia, ou ao final da tarde, nunca foram tão bem-vindos. O contato com a natureza não apenas refrescava o corpo, mas também tranquilizava a mente. Coisa que dentro da cidade, estava se tornando difícil de se obter.
Nas noites, sob o céu claro, a irradiação para o espaço do calor acumulado pela manhã acabava aumentando, principalmente na madrugada. Um fenômeno que é comum nos desertos todos os dias, provocando noites frias. Dias extremos, de muito calor, mas também de frio.
A oração, a mente elevada, a fé e o trabalho edificante em favor dos demais, aliviavam e blindavam as mentes, contra as visões derrotistas e toda a sorte de pensamentos negativados que se apresentavam em todos os lugares. A mente lúcida e sadia, um patrimônio a ser preservado.
Era preciso se preparar. Ajuda-te para que o céu possa te ajudar, foi a lição a muito ensinada.
Havia quem molhasse uma toalha e a sacudisse para refrescar, e a colocasse sobre a pele. Os confortos habituais foram diminuindo gradativamente. Equipamentos elétricos danificavam ante o calor, o que comprometia o uso de condicionadores de ar, quando se faziam mais necessários.
Muitos perderam a vontade de viver, principalmente os idosos. Simplesmente se entregaram àquela onda de calor excessivo, e se deixavam colapsar.
Este calor excessivo é uma condição excepcional e a exemplo de tantas outras situações, também vai passar. Proteger a mente, reservar água, compreender que irá passar.
As geleiras derretiam, as grandes calotas polares diminuíam. Os oceanos se avolumavam e invadiam os litorais. A água salgada adentrava os rios, trazendo novas complicações.
Mudança climática, é assim que chamavam tais fenômenos. Uma onda de calor provocada pela mudança climática. Hercólubus, de Joaquim Valbuena (Rabolú); o Astro Intruso, de Ramatis; além do planeta Chupão, de Chico Xavier, não adentraram os noticiários do mundo. E, no entanto, o astro gigantesco se aproximava, como já o fizera antes. Todo o Sistema Solar se aquecia anormalmente.
A ocultação prosseguiu, a despeito de fenômenos físicos cada vez mais graves e cada vez mais destrutivos. Na terceira dimensão, no mundo material, vivia-se o tempo da hipnose coletiva e das grandes ilusões. Os criadores daquela situação tão crítica, os próprios homens, ainda não a compreendiam.