Por: Antonio Mata
Tivera os seus dias de força, rigidez e tenacidade na sustentação do resto para que não sucumbisse. Também já tivera sua vez de participar de formidável e intrincado conjunto.
Os séculos simplesmente passavam ao largo, parecendo não fazer diferença. A copa exuberante, tomada de folhas engenhosamente espalhadas em seus galhos, tudo em aparente desordem e em diversos tamanhos. Tudo invocava, em sua dimensão, o significado e a beleza da vida.
Se subiu tem que descer. Não haveria como ser diferente. A seiva da vida faltou-lhe aos poucos. O tempo secular se fez mais presente do que nunca. Avisava que sua vez havia chegado.
Foi perdendo sua beleza e vitalidade. Finalmente, enfraquecido e solapado em suas bases, acabou por tombar. Era a continuidade inevitável do ciclo da vida.
Vida bela e rica, mas que em dado momento precisa fenecer para reciclar a matéria e promover a futura retomada da vida na sua sucessão de transformações.
Brancos, castanhos, amarelados, esverdeados ou com manchas e pintas vermelhas, para citar alguns. Chegava o tempo e a vez da multiplicação de um tipo diferente de vida.
— Já podem sair daí. Saiam daí de cima. Nunca viram um tronco caído virando paú, não é? Essa floresta é muito grande. Se afastem daqui e vão para longe de quem trabalha.
— Que audácia! Quem são vocês para falar de trabalho? Quem são esses confiados? Já aprenderam a sair do lugar, pelo menos?
— São fungos. Estes aí são os chapéus de cobra.
Podiam não saber sair do lugar, mas ouviam até pensamento.
— Será que ouvi direito? Você me chamou de quê?
— Chapéu de cobra. Um fantasiado, vistoso e pomposo chapéu de cobra. Mas só enquanto elas ficam paradas. Quando resolvem pegar sol no rosto, vão embora e deixam o chapéu por aí.
— Inseto insolente! Fique muito tempo perto de mim e verás o que vou te fazer. Sou um decompositor e dos bons! Decomponho, desintegro e espalho pela terra toda sorte de produtores de asneiras. Mesmo que sejam formigas...
— Sem ofensa, seu grosso, eu já entendi.
— Por muito favor, podem ficar debaixo do tronco, enquanto transformamos tudo em paú.
— Olha só quem fala! Chegamos aqui primeiro, logo que o tronco caiu. Já estávamos esperando.
— Quando caiu já estávamos trabalhando aqui. Minando as entranhas do tronco. Já transportava pouca seiva. Só queríamos poder deitá-lo e completar o serviço bem mais fácil. — Saprór, o grande decompositor, aproveitou para esclarecer as coisas.
— Seus penetras, não veem a multidão de formigas que tem aqui? É lógico que o tronco é nosso!
Aquela barulhada acabou chamando a atenção de quem estava quieto. Basídio, Ascom e seus exércitos de bactérias chegaram mais perto para ouvir aquela história.
— Já deu para acabar com o falatório ou está só começando? Eu já posso brigar também? — Era Basídio, incomodado com a discussão e os fazedores de barraco.
Marcialis, à frente de uma legião de formigas, apenas ouvia, para não tumultuar mais ainda o cenário. A chegada de Basídio e Ascom, só serviam para aumentar a confusão.
Ficou preocupado com aquele andamento. Acabariam perdendo o controle do tronco e de toda a colônia. Sabia que haveria perdas. Até que decidiu se dirigir aos seus e falar.
— Esperem um pouco. Não arranjem confusão com Saprór e seus decompositores. Lembrem que também precisamos de fungos para os filhotes. Leuko Hagar nos berçários que o diga.
— São muito desaforados, Marcialis. É só mandar dar um pau neles que eu vou à frente. — Jovem e intempestivo, Marcito parecia não entender seu tio. As demais formigas, então, se aproximaram para ouvir.
— Podemos ficar abrigados aqui embaixo enquanto os filhotes crescem e deixam de ser larvas. Precisam desse sossego. Sem sossego para produzir e colher o fungo com jeito de algodão, como poderíamos alimentar os filhotes? O que poderia acontecer se Leuko Hagar e seus fungos também resolverem brigar. Já pensaram nisso?
Olharam uns para os outros e entenderam que preocupação de Marcialis estava com a sobrevivência de toda colônia e não com as diferenças de opinião entre os vizinhos e coparticipantes.
— Sendo assim, vamos esfriar os ânimos. Também precisamos de fungos não é mesmo?
— Então, Marcialis, nós podemos correr, eles não. Vamos lá e mostramos para eles!
— Mostrar o quê? Ainda não entendeu? Quando terminarem de decompor o tronco, já não estaremos mais aqui. Teremos feito nosso serviço. Já os chapéus de cobra, se não acharem mais um tronco, mais uma raiz, vão morrer por aqui mesmo. — Parou por um instante.
— Isso tudo tem hora para acabar. Basta ter paciência e tudo dará certo. Alguém pretende assumir o risco de perder os filhotes? Vão querer ir embora outra vez? Quantas vezes mais? Quantos filhotes teremos de perder ainda?
Dessa vez, pareciam ter entendido a situação e o risco.
Foi até Saprór e estabeleceu um acordo para o convívio de todos os habitantes do tronco-colônia.
— Está certo então, Saprór. Vocês conduzem a decomposição do tronco, como precisam fazer para se alimentar. Basídio e Ascom, também prosseguem em seus afazeres de decomposição sem serem perturbados. Já as formigas vão ficar na parte debaixo para proteger os filhotes. Até que possam crescer e então, cuidarem de si.
Saprór achou sensatas as palavras de Marcialis. Basídio entrou em entendimento com Ascom. Foram até os demais e resolveram concordar. Dessa forma se consumou o acordo entre formigas, fungos e bactérias.
Assim, Marcialis havia entendido que o segredo da convivência, não estava em ser o mais forte, o mais inteligente ou o mais capaz. Muito menos em vencer as discussões. Mas, sim, em saber compreender e suportar uns aos outros.
De tal forma que os propósitos do grupo, da coletividade, possam ser atingidos. A chave para trabalhar e prosseguir, um dia após o outro, é a paciência.