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Por: Antonio Mata
Em meio a escuridão buscava algo. O cheiro e o tato auxiliavam a encontrar. Um único golpe, uma corrida frenética, frenética no escuro. Apenas um metro ou pouco mais. Tudo se cumpre muito rápido. Finalmente sentiu aquilo que buscava.Cravou os dentes com força para não largar sua presa.
Agora é hora do movimento contrário. Puxava para sair da toca com o seu troféu agarrado pela cauda. Enquanto isso, a presa tracionava tentando adentrar a toca, em um impasse que já era esperado. É na força e na coragem que se superava o impasse.
Finalmente consegue arrastar o asqueroso roedor para fora. Bastou sair da toca e seu dono já o esperava munido de um porrete para completar o serviço. Uma pancada na cabeça, enquanto Tiny o imobilizava e o serviço estava completo.
— Pronto, este não incomoda mais ninguém. Muito bom Tiny!
Era Harvey quem comemorava.
O pequeno e enlameado caçador sacudia a cauda todo satisfeito. O que tinha de corajoso, tinha de fiel. Tiny ajudava a manter os ratos afastados do pequeno depósito de grãos.
Tiny não estava sozinho naquela façanha. Havia também a companhia de Wollie e Shelby. São os controladores de pragas, os ratos que infestavam o condado de Glasgow, na velha Escócia, nos idos de 1850.
Sacudiu-se da cabeça até a cauda, em um movimento de vibro para se livrar da terra e da lama sobre o pelo. Providencia importante se quiser dormir dentro de casa, junto à lareira de Harvey. É bem verdade que não havia muito o que fazer com as patas sujas, já que seu dono não ligava muito. De fato, os cães andavam sujos sobre o piso de madeira crua de seu chalé.
Hora de se recolher e deixar tudo em paz. Foram três ratos naquele dia, e dos grandes. Pelo menos por aquela noite o celeiro estaria a salvo. No entanto, Harvey e seus cães sabiam que a luta era de todos os dias.
A cidade que o diga. Bastava dar uma volta pelas ruas para notar que, mais cedo ou mais tarde, havia alguém falando da praga dos roedores.
Eram os agricultores, cerealistas, pequenos comerciantes, além das donas de casa e de suas famílias. Os ratos, prolíficos que são, perturbavam a todos indistintamente, e todas as noites.
Era quando surgiam, as fórmulas, os mecanismos e as técnicas, as mais bizarras, para dar conta de tanto rato. A exemplo do que ocorre com pescadores, exagerando seus feitos, Harvey também acreditava que boa parte daquele monte de histórias, era tudo mentira. Soluções malucas demais para serem levadas a sério.
Um barril com água até a metade e um dispositivo para fazer o rato ser atraído para um cordão com a isca, logo acima do barril. O bicho ficava preso, caía lá dentro e morria afogado. Outro dispositivo sugerido, era uma espécie de trabuco, colocado na entrada do buraco de rato.
A engenhoca seria acionada pelas patas do roedor, disparando uma carga de pedriscos, fulminando o rato instantaneamente, e enlouquecendo a ratoeira com aquela barulhada infernal. A solução criativa era demais.
Mentes férteis, podia-se crer. Uma em mil, um dia iria dar certo.
Em certo dia, a senhora Margot, que morava perto da cidade, pediu a ajuda de Harvey, pois a quantidade de ratos estava ficando insuportável. Qualquer dia desses apareceriam abrindo as latas de cereais, dizia.
Harvey então, levou Tiny para passar algumas semanas com ela. Mal chegou, Tiny já começava a farejar em volta da casa. Não foi difícil sentir o cheiro que buscava. Harvey identificou o local da ratoeira. A pedido da senhora Margot, levou Tiny para farejar dentro de casa. Começou vasculhando pelos cantos.
Ao farejar pela cozinha, logo encontrou um pequeno buraco por onde os roedores passavam para entrar no cômodo e fazer a farra, buscando todo alimento que, porventura tenha ficado exposto ou mal guardado.
Latas, vidros com tampa de rosca e potes bem fechados, não estavam lá à toa. Era pura necessidade.
Já no dia seguinte, prestando atenção no seu caçador de ratos, de fato pequeno e incapaz de chamar a atenção, até porque, muito sujo como se encontrava. Notou, por debaixo da sujeira, que o animal possuía pelos longos de cor indefinida e embaraçados.
— Tiny, alguma coisa está me dizendo que Harvey nunca lhe deu um banho. Você está de um jeito lamentável. Dizia a senhora Margot, enquanto providenciava uma tina com água e uma barra de sabão.
— Vamos ver como você é de verdade.
Em um primeiro momento, Tiny resistiu a ideia de tomar um banho, porém, sendo Margot muito carinhosa e persistente com o seu caçador, este acabou cedendo.
Já seco e limpo, Margot pôde dar uma boa olhada no pequenino e ficou muito satisfeita com o que viu. O animal era dócil, com uma pelagem castanha bonita em vários tons, que ficava escondida debaixo da sujeira.
Muito esperto, e com uma característica que agradou a ambos. Em dado momento, Margot achou por bem oferecer colo para o seu caçador. Tiny , não só atendeu como se acomodou no colo de sua protetora.
Tiny era um Skye Terrier, um cão pequeno com cerca de quatro quilos, portanto menor que o usual. O que não comprometia o seu desempenho como caçador, compensado com muita coragem e determinação.
A senhora Margot propôs a Harvey a compra ou uma troca qualquer, para que pudesse ficar em definitivo com o seu caçador. Harvey, reconheceu a atenção e o carinho que a senhora depositava no animal. Assim, achou por bem deixar o pequeno Tiny em definitivo na casa de Margot.
Dias felizes aqueles. Tiny continuou prestando seus serviços na casa de Margot, só que dessa vez estava sempre limpo. Mesmo quando resolvia perseguir ratos pelos buracos do quintal.
Não levou muito tempo para Margot lhe conseguir uma fêmea. Estava particularmente interessada na manutenção das características de coragem, fidelidade, aliadas a muita simpatia e o pequeno tamanho de Tiny.
Foi assim que Eloisy entrou para a família. Quando Eloisy deu cria, Margot estava atenta observando os cãezinhos da ninhada. Queria saber quais filhotes traziam aquele conjunto de características. E eles estavam lá. Não precisa dizer que a ninhada de Eloisy e Tiny fez muito sucesso em uma cidade necessitada de caçadores.
Foi no ano seguinte que, interessado em conhecer os pais daquela primeira ninhada, Roger McLean, um comerciante de York, procurou por Margot, solicitando alguns animaizinhos da próxima ninhada que seriam levados para o condado de Yorkshire. Dessa vez, a linhagem de Tiny e Eloisy se expandiriam para além de Glasgow.
Era bem verdade que agricultores escoceses que deixavam os campos, estavam se dirigindo para o Sul na busca de trabalho nas indústrias de fiação e tecidos. Ao fazê-lo levavam seus cães.
Contudo, McLean estava entusiasmado com aqueles cães, que tanto podiam ser animais de caça, como ainda outra coisa que lhe ocorria, pelo seu pequeno tamanho, porém bonito e com enorme simpatia. Iria oferecê-los, tanto como cães de caça, como de companhia.
O interesse de McLean era apenas este. Entretanto, logo, logo, personagens mais qualificados para lidar com o mundo canino, surgiriam, com a descendência de Tiny e Eloisy tomando rumos tão inesperados quanto promissores. Com o tempo as características seriam fixadas em um animal ainda menor.
Da combinação de ninhadas específicas de antigos cães caçadores de animais de toca, valorizando-os como animais de companhia, surgiria um dos animaizinhos mais simpáticos e queridos do mundo.
Um verdadeiro conquistador dos corações humanos, que seria levado a todos os recantos do mundo. O valente, bonito, pequenino e carinhoso Yorkshire Terrier.