Foto: sasint
Por: Antonio Mata
A história da civilização, com suas realizações e falências. Sentados em uma pedra no alto do monte, observavam o vilarejo logo abaixo. Um certo gosto pela história humana embalava a conversa entre os dois homens, como quem revisita outros tempos.
— Importante mesmo na arrancada da civilização foi a descoberta da agricultura. Dizia um deles.
— O surgimento do bronze é o marco zero, de algo que começou, e que nunca mais se conseguiu parar. Ferramentas sim, mas a possibilidade de formar grupos de guerreiros armados; e com ele a guerra. Dizia o outro.
O outro retrucava:
— Foi a agricultura que permitiu o aumento da população, pois podia alimentar muito mais bocas, e com isso dispensar homens do trabalho. A realeza nasceu com a agricultura.
— Sim, é verdade, mas os guerreiros armados é que asseguravam a manutenção da realeza.
— Os frutos podres surgiram com o gosto pelo poder, pela riqueza, a ganância, a cobiça e a preguiça. Arrematava o primeiro, como quem lamentava o resultado nefasto.
— Era preciso tirar os reis de lá. Isto só se faz com armas nas mãos. Só com um exército. A Bastilha caiu quando isto se entendeu.
— É..., caiu. E com ela a realeza. O que sobreveio foi um banho de sangue, antes que se compreendesse que o grande troféu era a liberdade de pensar, de falar, de agir.
— O pano de fundo sempre foi a opressão e a injustiça. Foi o que ocorreu na América, com todas as colônias. Preocupados com o imposto sobre o chá, os britânicos nem se deram conta da quantidade de riquezas que havia naquelas colônias. Chamam português de burro, mas o ouro das Minas Gerais ficou com eles.
— Pois é ficou com eles. A agricultura é que vai reverter a situação, junto com a pecuária. Vão fazer tanto que vão trazer a indústria. Trabalhar com enlatados, gorduras, alimentos, tecidos e ferramentas. Vão fazer crescer tudo de novo, o país vai progredir, o mundo também.
— Apoiados na força das armas, virão os “ismos”, nazismo, fascismo, comunismo. Com eles outros banhos de sangue, cada um com sua visão de poder.
— Guerra fria, mundo bipolar, antagonistas.
— Foi assim, um sempre desconfiando do outro.
Um dos homens se levanta, se dirige até a extremidade do rochedo onde se encontravam. Lá embaixo a cidade parecia quieta, adormecida.
— Às vezes eu fico pensando por que razão esta praga de cidade não cresce. Até hoje, ainda não entendi.
Virou-se para a esquerda e continuou caminhando pela extremidade do rochedo, como quem procura uma visada melhor. De súbito, fixa o pé em uma pedra solta que rola, arrastando sua perna para a beirada do rochedo. O corpo desequilibra, sobrevindo a queda de quase quinze metros paredão abaixo.
O amigo de reflexões contorna o rochedo, e pela outra extremidade, chega até o local da queda. Em meio a vegetação, o amigo geme de dor. Em uma das pernas, uma fratura exposta.
Faz uma tala provisória com dois paus, amarrada com tiras de sua camisa. Desce com o amigo até o veículo, no sopé do monte, levando-o de volta a cidade onde consegue socorro médico.
Superado o episódio, e já com a perna no gesso, conversavam os dois ainda no hospital.
— Mas rapaz, que susto danado. A minha preocupação era saber se você não teria batido com a cabeça. Graças a Deus que foi só a perna.
— É amigo, tem razão.
Entretanto, pensou mais um pouco e concluiu.
— O marco zero da civilização não é a agricultura meu amigo, e nem o surgimento do bronze, ou mesmo das ferramentas de pedra. O marco zero da civilização foi quando um ser humano se importou com a sorte de outro ser humano.
Parou um instante, e completou.
— Veja, lá em cima no monte. Se eu tivesse batido com a cabeça, teria sido o fim, provavelmente. Mas, com uma fratura exposta, não teria conseguido voltar para a cidade. E com o cheiro de sangue do ferimento, poderia acabar devorado.
O amigo sorriu e concordou.
— É mesmo, sem união tudo se torna mais difícil. E por falar nisso, aí está a razão da cidade estagnar. Quando foi que as cabeças pensantes do lugar resolveram se unir para pensar seus problemas?
— É isso mesmo, união e solidariedade. Nossa própria gente está estagnada, são as mentes que estão desunidas. Baixou a cabeça por um instante, e concluiu.
— Pois é, esqueceram que ninguém faz nada sozinho.
— Que pena amigo, que pena.