Menu

terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

Uma guarda muito especial

                                                              

                                                                                                                  Foto: eduschadesoares. por Pixabay

Por: Antonio Mata

Era cedo quando o velho Ananias deixava a casa simples na periferia da cidade, onde vivia com a mulher e onde criaram  os quatro filhos, todos adultos agora. Homem generoso e prestativo, havia angariado a simpatia da vizinhança que nutria pelo velho uma atitude de gratidão e respeito pelos anos de serviço em uma casa beneficente, voltada para a caridade cristã e tocada por voluntários.

Estes, assim como Ananias eram simpatizantes do mesmo evangelho que aproximava os homens, por diferentes que fossem. Ainda que não se possa fazer muito, mas se pode realizar um pouco hoje; e um pouco amanhã.

O trabalho beneficente, ao canalizar os pequenos esforços e doações pequenas, porém, de muitos acabava por beneficiar populações em bolsões de miséria, que de outra forma passaria  despercebido. Por outro lado, o Divino cria seus filhos para a autonomia. Receber o auxílio sem esquecer que a necessidade do trabalho é para todos, tanto no lar quanto nas oficinas e demais labores da vida da cidade.

O velho Ananias havia elegido a casa construída por todos, como o seu lugar de oração e devotamento ao seu Mestre Galileu, com o qual havia aprendido que na vida tudo passa. Mercê das situações de cada dia, superando as adversidades da jornada, compreendendo que tudo é na realidade, aprendizado que aperfeiçoa e enobrece o caráter daqueles que o seguem, e colhem na luz das experiências, as gotas de harmonia e serenidade assim ofertadas por Ele, o príncipe da Paz.

Já no caminho até a instituição Ananias seguia pensando nas atividades do dia, nos demais trabalhadores com os quais poderia contar para as realizações daquela manhã, e nos casos que precisava dar continuidade, para receber as famílias do lugar como era usual. Eram pessoas necessitadas de esclarecimentos, aconselhamento e orientação quanto ao que fazer de modo a mitigar suas dores, dúvidas e conflitos íntimos. O amparo material era somente uma faceta dos afazeres da casa.

Os grandes flagelos carregados pelos homens em suas existências milenares, repletas de equívocos e ações indevidas, que nos dias do presente pedem reparações, sob a forma do cônjuge infeliz, do filho rebelde, do pai ou mãe que desampara, do chefe genioso que sacrifica as relações profissionais de trabalho, acreditando liderar.

Toda uma miríade de situações caracterizando a natureza dos homens. Seres doentes, representantes de uma cidade doente, cocriadores de uma sociedade doentia, dentro de um mundo adoecido e atormentado. Assim somos nós, em poucas pinceladas; os habitantes da Terra.

Estava absorto com tais pensamentos, quando de repente se deu conta de uma coisa. Os cães da rua latiam sem cessar quando de sua passagem. Ananias se aproximava ao longe e a barulhada já se iniciava. Cachorros por de trás dos portões; de pé com as patas sobre o gradil; às vezes só aparecia o focinho por debaixo da estrutura de madeira.

Os cães abandonados nas ruas do lugar acorriam para saber de tanto alarde. Corriam até o lugar, para depois, em ato repentino, deter a carreira e parar em atitude atônita, para uns; de respeito para outros. Mas; com o velho se aproximando o respeitoso silêncio se estendia pelos portões e pela rua.

Ananias, em um primeiro momento tão confuso quanto os cães, olhava ao redor e não via nada que justificasse tamanha algazarra àquela hora da manhã. Até se aborrecia com aquela turba de cães que não lhe davam trégua nem sossego, ainda que não se aproximassem dele, ou ameaçassem mordê-lo. Era uma relação, no mínimo estranha e desprovida de sentido. Era incomum, algo que simplesmente não se vê com frequência.

Não se tratava de passar na rua e fazer alguns cães latirem ante a sua presença, não; não era isso. Por mais que Ananias fuçasse na memória uma explicação coerente para tais ocorrências, não encontrava uma razão mais sensata. Acabava deixando de lado tais divagações, da feita que não contribuíam para a causa que havia abraçado.

Achava melhor esquecer; e então que fosse aquilo que Deus quisesse. Homem simples e justo, abençoado com uma mediunidade límpida e despojada das ilusões humanas; como bem supunha, teve um dia a sua resposta.

Em certo dia notou que estava sendo acompanhado por uma escolta de cães de guarda. Porém, percebeu ainda que não eram animais comuns. Eram muito grandes, com cerca de um metro aproximadamente, na cernelha.

Portadores de um pelo grosso, formando uma capa preta, lembrando um pastor alemão, mas não só na pelagem, também na forma geral do animal, ainda que com uma garupa mais alta; não tão saliente como nos cães alsacianos. Com um corpo mais robusto e desenvolvido.

Eram animais reconhecidamente fortes e belos, tal e qual um Mastim, ou um Fila brasileiro quanto a robustez; com o peito bem largo. Havia um conjunto de cores e pelagem totalmente diferente daquilo que costumeiramente se poderia encontrar nestes cães, em função daquilo que se entende usualmente como sendo o padrão da raça. Alguém havia criado um arranjo novo.

Notou então que eram quatro animais, dois haviam se posicionado logo adiante, e os outros dois ficavam mais atrás. De tal modo que Ananias se via no centro de um quadrado formado pelos cães. Ainda que no início estranhasse; foi tomado de uma grande simpatia pelos cães gigantes; que por vez lhes passavam uma vibração muito amistosa; como se todos ali já se conhecessem há tempos.

Eram cães tranquilos e não esboçavam nenhuma reação diante da algazarra criada pelos demais cachorros por onde a interessante e quase invisível comitiva passava. No máximo um leve meneio de cabeça na direção de um ou outro cão mais atrevido que tivesse se aproximado demais; o que era o suficiente para que o folgado desse alguns passos para trás. Se impunham só com o olhar. Mas os cães da rua, naquela manhã; os avistavam e muito bem. A ponto de adotarem uma atitude de respeito diante da passagem do pequeno cortejo.

Praticamente invisíveis, para os eventuais passantes da rua, que só enxergavam o conhecido e velho Ananias, e os cães do lugar prestando atenção na passagem dele. Percebeu também, que os animais gigantes não eram invisíveis para estes cães nas adjacências que, a julgar pela direção do olhar dos mesmos, pareciam também enxergar o movimento sereno e calmo dos grandes guardiões, pensava Ananias. A atenção especial não era para ele, que então prosseguia; admirado com o porte e a nobreza dos belos integrantes da escolta.

Não brincavam, nem latiam. Parecia que nada os perturbava, ou poderia afastá-los, ou ainda alterar o passo de sua marcha bastante tranquila. A sua ilustre escolta tanto prendia a atenção dos cachorros por onde passava; quanto quase ignorava a presença dos animais do caminho.

A comitiva seguiu até o destino. Lá chegando, com a mesma facilidade com que se apresentaram a Ananias, eles desapareceram sem deixar o menor vestígio do rumo adquirido. Admirado Ananias estava; admirado Ananias continuou, entre a surpresa e a curiosidade pela presença dos novos amigos.

Com o tempo perceberia ainda que não era sempre que a comitiva de guardiões se surgia, ou pelo menos se permitia avistar. O velho médium tinha entendido que em certas ocasiões, os demais cachorros do casario ao longo do caminho, não faziam a algazarra de antes.

Era quando, ele próprio por alguma razão também não podia avistá-los. Então deduziu que a guarda somente se apresentava; se permitia enxergar; diante de alguma situação ou propósito bem específico cujo entendimento fugia com frequência de seus próprios pensamentos.

Mas, seu raciocínio nunca chegou a delinear qual era o objeto do risco, qual era a ameaça que ensejava a presença dos amigos guardiões. Fosse como fosse, sabedor de que o Divino não maltrata nem prejudica seus filhos, mas os protege; incontinente elevou os olhos aos céus e agradeceu a presença dos animais, ainda que não os compreendesse com maior clareza. Confiante, seguiu então para mais um dia de trabalho.

Go Back

Comment

Blog Search

Comments