Por: Antonio Mata
Sabia que havia algo de errado há bastante tempo e o diagnóstico médico só corroborava. Tinha um medo irracional, um pavor, só de ouvir falar em cirurgia.
Dizer que iriam lhe arrancar meia dúzia de dentes não era nada. Que haveria uma profunda hemorragia, nada disso era capaz de assustá-la tanto. Não se importaria. Desde que não houvesse cirurgia de coisa nenhuma.
No trabalho, insistia sempre para saírem com calma e em ordem. Mas, o tropel que se seguia, tão logo cruzassem a porta, a manada, o estouro, não dizia outra coisa.
A hora de ir embora era sempre diferente. Momento de se livrar da coerção. Se não fosse no corredor, seria no pátio, se não fosse ali seria no meio da rua. Era um sinal muito evidente de que a maldita coerção tinha que passar.
Sobre a mesa, sobras de recortes entre canetas de hidrocor, tesouras e tubos de cola. Contudo, o mural feito com as crianças estava pronto. Carinhas sorridentes pacientemente distribuídas, corriam, pulavam e comemoravam o momento fugidio da infância. No topo os dizeres: Acredite em você mesmo.
Tola, se irritou novamente. Irritada, disparou o mecanismo da dor. A mesma da qual queria se afastar. Ainda achou de colocar a culpa na sua turma. Quanto mais reclamava, mais a dor parecia fazer questão de aumentar.
Até que, em certa noite...
Viu-se estranhamente fora do próprio corpo, de peito para baixo e logo acima dele. Podia ouvir claramente as orações e também os apelos à sua recuperação. Parecia receber algum tipo de intervenção, um tipo de auxílio. Ouvia tudo e enxergava tudo. Ainda que não entendesse nada.
Enfim, para Laura, no seu entendimento precário das coisas, nada daquilo existia. Sendo assim, as falas não existiam, o corpo ali embaixo também não e ela logo acima menos ainda. Assim, intervenção ou auxílio não havia.
Pronto, em sua mente tudo estava em ordem agora. Enfim, paz, a despeito da dor. Ceticismo é assim, está chovendo lá fora? Vire-se e vá para dentro. Laura nem se deu conta de que a dor havia passado. Por enquanto, afinal, o bem é paciente.