Por: Antonio Mata
Nos tempos primordiais as lições eram as mesmas, tanto lá como aqui. Os castigos e punições estavam presentes. A compaixão, filha nobre, nasceria por entre o sangue escorrido e misturado com a terra.
Bastou separar os homens das crianças espirituais. Aqueles que, ao longo de sucessivas experiências, não foram capazes de compreender, definiram ali a sua necessidade de partir.
Suas costas nuas eram delicadas e de um branco extremamente pálido. Presa a uma estaca pelos pulsos, para o feitor isto não fazia diferença. Sofreria a punição ordenada, de qualquer maneira. Ato sumário e comum.
Estavam ali, ela e mais outras duas mulheres e dois homens. Todos igualmente brancos e pálidos. Recapturados, todos fujões. Os pés estavam lacerados pela tentativa de fuga.
Diferença notável aquela. Os ferimentos em sangue coagulado e cheios de poeira, pareciam destoar do resto do corpo, tamanho o contraste. A fragilidade alva da pele deixava tudo muito visível.
Fácil de entender a razão porque, entre os punidos, se usava roupas cobrindo todo o corpo. Para esconder a feiura. Em um dia quente isto denunciava o infrator e a natureza do castigo.
Por certo, nem precisava ser um escravo. Na realidade, o que as vestes ocultavam eram as marcas da classificação social. Fugiam de uma classificação para cair em outra.
Costas marcadas, cicatrizes no rosto, nariz quebrado, marcas na cabeça, nos braços e nas pernas. Tudo era denunciador em um corpo desprovido de cabelos ou qualquer tipo de pelos.
Desprovida de cabelos e seios, uma mulher era identificada por todo o resto, que caracteriza a forma e os traços femininos do ser. Fato comum entre mundos atrasados, também era desconsiderada pelos seus braços frágeis e por sua pouca força. As coisas não mudam tanto assim.
Cabelos, pelos e seios não constituem apenas uma herança genética, uma fixação do DNA. Mais que para sua simples distinção, foram concebidos para o seu conforto. Ainda que não se alcance a todas.
A experiência do escravo antecede os limites da própria Terra, não tendo nascido aqui. O elo comum que aproxima os mundos são as suas humanidades. Mesmo aqueles que acabam criando estas aproximações pela necessidade do degredo. De se receber os mais rebeldes e violentos.
As reminiscências, muitas, vieram guardadas nas mentes daqueles que foram forçados a partir. Escravocratas arrogantes e escravos rebeldes acabaram todos reunidos e embarcados, rumo ao pequenino planeta azul que flutuava no espaço. Por companhia, outros tantos desavisados de suas vidas.
Se agruparam por sobre o novo mundo, reunidos que foram pela lei da Afinidade. Por pura compaixão, foi-lhes oferecida uma pele clara, próxima daquela que possuíam antes. Mas não foi viável ser tão clara. Tratava-se de outro mundo com outras interações.
Ainda assim, foi um ato de compaixão para o seu conforto espiritual. Propósito muito distinto das significações que acabou recebendo no novo mundo. A inteligência mal aplicada também produz seus monstrengos.
Neste mundo diferenciado, todos sem exceção, receberam corpos híbridos. Fossem negros, brancos, amarelos ou índios, os chamados peles vermelhas. E todos assim o eram para o seu conforto. Uma lembrança de outros tempos, de outros mundos.
Hoje tudo está misturado, tanto pela miscigenação, como pela necessidade evolutiva de se habitar corpos diferentes. Cada qual de acordo com a necessidade de suas próprias experiências.
Lamentavelmente, a exploração do outro, o comercio de seres humanos, fez persistir o desejo de escravizar e este resistiu ao passar dos milênios, ensejando nova onda de migrações forçadas. O escravista, assim como os ódios criados, vai partir mais uma vez. A Terra já não admite mais a exploração do outro.