Por: Antonio Mata
A longa marcha prosseguia sem maiores impedimentos. Não se falava em cansaço, em repouso ou ainda, qualquer alusão a se querer desistir. Não lhes era do feitio.
O caminho era natural, a marcha pelo sertão sem fim era natural. Ocupando imensos rincões em um continente novo. Avançando sempre, até onde se possa chegar.
Não por desistência ou comodismo, mas porque a jornada acabou ali naquele limite. Ocupou-se e desbravou-se do seu modo. Era natural que fosse assim. Afinal, aqui ainda não é o paraíso.
Contudo, os pioneiros vão à frente chegando primeiro e preparando tudo. O que se faz depois é, de certo modo, só consequência.
No sobe e desce das vertentes, percorrendo os vales profundos, na travessia dos rios, contornando lagos. Isso quando não decidiam soterrá-los. Pântanos, só enquanto não se mudava de ideia. A marcha, modificava as paisagens definindo outras.
Inexoráveis, seriam capazes de passar uns por cima dos outros.
A tal ponto de não mais se lembrar do que existia ali naquelas paragens. Passavam e mudavam tudo. Às vezes lentamente, às vezes tão rápido que causava surpresa.
Fome de terra, diriam alguns. Estabelecer, encampar maiores cenários de vida é muito melhor do que viver em um lugar só. Tanta coisa muda e argumento não falta. Vida que segue.
Como tudo é vida e tem de tudo na vida...
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho...
— Não posso acreditar nisso! Por que aqui, justamente aqui na frente?
— Ainda pode ficar aí reclamando. As terras próximas já estão tomadas. Você não viu?
— Isso não é vida de pioneiros. Faz ideia do tempo que vai levar? Só em pensar fico doente.
— Mas que bobagem. Doente de quê, de preguiça?
— Não é bobagem só não tenho disposição. Quando vi a pedra, aquela grande, devia ter desconfiado. Devia ter desviado logo de uma vez. Como fui burro!
— Quanto mais você lamenta, mais difícil se torna. Tem coisa melhor do que terra de planície? O horizonte à frente?
— Vê se não amola. Só vejo esse sobe e desce. Horizonte mesmo só na sua miragem.
— Mas é assim, estamos na planície. Sem falar que as chuvas vão ajudar imensamente. Da próxima vez que você subir, olhe adiante, antes de descer. Depois você me conta.
— Vou morrer tentando subir. Só sei que tinha uma pedra. Eu a vi e de burro, não entendi.
— Não se aborreça tanto, garanto que vai chegar do outro lado. Dos topos dos tabuleiros desceram ocupando tudo. Das galerias saíram e conseguiram subir, mais além. Estão todos em marcha, vão modificar tudo. — O júbilo não era gratuito. O clima havia se modificado. Era como se tivessem todos, recebido uma ordem de comando e agora avançavam. Prosseguiu a explicar.
— A terra não é lá grande coisa. Na verdade, é um solo pobre até demais. Mas, nem por isso deixou de ser disputado. Não viu quando veio todo mundo? Alguém reclamou? Quem gosta de mais espaço, de mais terra, é assim. Até você veio na frente.
— Pois não estou gostando nem um pouco. Isso aqui não tem nada a ver com o que você está dizendo.
— Veja pelo lado jocoso. Como prefere ser chamado? Ligeirinho Papa Terra lhe cai bem. Eu prefiro Eloquente Terra Tenente, aquele que enxerga a todos do alto do rochedo. Tá bom, do alto da montanha seria mais bonito. Só não seria verdadeiro.
— São pedras, você não enxerga? Empilharam pedras! Bem na nossa frente! Quem se daria a esse trabalho?
— Não faço nenhuma ideia. Mas, também não faz diferença. As pedras não vão sair daí só por nossa causa. É isso mesmo que você já entendeu. Teremos que subir nesse amontoado.
— Amontoado, amontoado? Você é louco! Devia ter corrido mais, bastaria fazer a volta.
— Só que não correu e a terra ao redor já foi ocupada. Então, pare de reclamar e se prepare para subir.
Observador e atento, prestava atenção ao andamento daquela conversa, enquanto decidiam se era o caso de subir por cima das pedras, ou não, ante a impossibilidade de se contornar. Já que o terreno adjacente já tinha dono e não poderiam tomá-lo.
Achou por bem, esclarecer algumas coisas.
— Posso ajudar?
Prestaram atenção na voz que não lhes era estranha.
— Apólogo, ainda bem que você chegou. Veja só o que fizeram aqui. Nos deixaram em uma cilada, enquanto os demais avançam. Isso não é justo, somos pioneiros.
— Compreendo perfeitamente.
— Então, não seria possível nos tirar daqui?
— Bom, como seu amigo sugeriu, ao chegar ao alto perceberá facilmente que estão totalmente cercados.
— Sim, já entendi. E agora, o que vamos fazer?
— Se me permitem, vamos entender mais um pouco.
Incomodados, mas, sabendo que realmente estava faltando algo, resolveram ouvir Apólogo.
— É preciso cobrir tudo meus amigos. Não se trata de gosto ou opção. É importante que tudo seja muito bem coberto pelo maior tempo possível.
— Não estamos entendendo nada.
— Está bem, eu explico.
Apólogo fez uma face severa e lhes mostrou a verdade.
— Vou lhes oferecer a permanência milenar por sobre estas terras. Mas, precisam compreender que no final, tudo isso terá sido feito para a sua própria segurança. Compreendem o que lhes digo? Isto é algo muito relevante para a sua própria segurança.
— Milenar, no final, nossa segurança? É tão importante assim Apólogo? Nós vamos morrer? Vamos acabar? Existe algo aqui?
O outro pioneiro, que até então estivera em silêncio, falou.
— Disse que vamos ganhar uma permanência milenar. De quanto tempo? O que vai acontecer no final?
— Lhes ofereço pelo menos dez mil anos. Entretanto, devo lhes avisar de um aspecto fundamental. Nos últimos quinhentos anos, seres muito diferentes dos animais que estão acostumados a ver, buscarão invadir estas matas cada vez mais.
— Você quer dizer que eles são perigosos? O que poderiam querer conosco? Podem nos fazer alguma coisa, algum mal?
— Podem sim.
Os pioneiros ficaram estupefatos com a resposta tão simples quanto direta.
— Para muito além dos incêndios naturais que vocês estão acostumados a ver, eles gostam de atear fogo e muito. Não satisfeitos, gostam de abater milhares de árvores de uma só vez. Gostam de descampar a terra. — Parou por um instante.
— Pois bem, o que existe diante de vocês são as ruínas de povos que o tempo levou. Estas ruínas, principalmente as altas pirâmides, precisam ser escondidas pelo maior tempo possível. Pois, virão atrás delas ante ao primeiro indício. Mesmo as terras onde estão assentadas possuem depósitos de minérios que apreciam muito. Vocês precisam cobrir e esconder tudo ao máximo. Se descobrirem as ruínas ou as grandes reservas, antes da hora e caírem em mãos erradas, será o fim. Virão aos milhares, aos milhões.
Enfim, agora sabiam da verdade e de sua interação para com ela. Cada um tem o seu sentido e o seu propósito na vida. Nada se dá ao sabor dos ventos.
— No final, nós vamos sobreviver?
— Se depender da vontade do Criador, sim. Mas, eles se importam muito pouco, devo dizer. — Ouve um momento de respeitoso silêncio. Então concluíram.
— Vamos cobrir tudo, todas as ruínas, todas as terras e reservas minerais, pelo maior tempo possível. É a parte que nos cabe e nós vamos fazer. O que vier depois, já não importa mais. Afinal, dez mil anos é um bocado de tempo.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho...
Às vezes, para se compreender, é preciso uma pedra no meio do caminho. Ter no meio do caminho uma pedra.