Por: Antonio Mata
Balbuciava algumas palavras, afirmando ser muito insistente. Mesmo não dando atenção ou pensando em outra coisa. Não muito fácil de se ignorar pelo visto.
O mal-estar era grande, provocando dor de cabeça pela simples presença. Dava para notar que estava mesmo incomodado. Ainda que entendesse qual a razão. Até que se manifestou.
Com o braço direito apontou para trás, por cima do ombro esquerdo.
— Está sentado aí.
Ao olhar por sobre o ombro direito, não viu coisa alguma no banco de trás. Prosseguiu dirigindo e apenas acalmava o amigo.
— A gente chega logo. Aí, vai dar tudo certo para todo mundo.
Meia hora depois estavam na pequena cidade, onde foram cuidar de seus interesses.
— O problema é a dor de cabeça e a perturbação que ele provoca.
— O que ele quer?
— Só diz que quer ajudar. Pede para poder fazer alguma coisa. Só que já não dá mais. Seu tempo acabou.
— Há algo que possamos fazer?
— Só oração, pedindo para ser encaminhado.
— Acreditava que após o desencarne, fossem embora logo.
— Sim, é verdade. No caso dele, distribuía doações, mantimentos, brinquedos, madeira, tijolos, cimento. Assim, acabou angariando a gratidão de muita gente. Passaram a orar por ele. Muitas pessoas não entendem que isso tudo era feito com dinheiro público, para angariar votos. Na realidade estavam sendo enganados. Empurrados pela miséria, acabavam aceitando.
— Que pena, poderia ter feito muita coisa boa. Tinha o poder, o dinheiro e a situação favorável.
— É desse jeito, podia ter feito muita coisa. É quando estas pessoas, eles próprios não entendem. A corrupção, ela é capaz de extinguir qualquer ação positiva que tenham praticado. Dar com uma das mãos e retirar com a outra, não conduz a lugar nenhum. É efeito de Lei, não tem como escapar.
Já de volta, dois dias após, em um encontro mediúnico, foi possível recebê-lo. Assim, pôde expor seus lamentos, mas também compreender com mais clareza que a vida e o trabalho no plano físico já não lhe era mais possível.
Ainda naquela noite reuniria simpatizantes, correligionários, autoridades diversas, porém todos do mesmo viés. Simpatizantes da mesma chaga. A corrupção, o gosto pela riqueza sem trabalho verdadeiro.
O cortejo lúgubre era formado por dezenas de homens. Aqueles mesmos que frequentaram os gabinetes, deram entrevistas na TV e apareciam nos jornais. Reuniram fortunas que já não valem mais nada. Agora de faces atormentadas, enlouquecidas e chorosas. Passos trôpegos e de cabeça baixa, tomavam o rumo da escuridão de suas mentes.
Era possível vê-los descendo, tal e qual tropa de zumbis. Alguns, ainda pediam a intervenção divina em sua defesa. Como se o Criador não passasse de mais um tolo a serviço da cegueira, do orgulho e da presunção.
Lá a negação do amor e da justiça de Deus lhes deixaria vislumbrar a justiça pérfida, cruel e brutal dos umbrais. A ponto de perderem a noção do tempo, submetendo-se a um suplício interminável. Acreditando terem chegado nos portais do inferno.
Do muito que amealharam em vida, às custas do povo, dinheiro, propriedades, títulos e valores outros, nada puderam levar daqui. Contudo, uma coisa seguiu viagem com eles. A lembrança da miséria e da exploração de sua própria gente.
O amor de Deus é real. A justiça de Deus também.