Por: Antonio Mata
As grandes distâncias, por imaginosas que pudessem ser, atraindo muitos a querer saber o que havia lá do outro lado. Mesmo um pouco mais adiante ou ainda mundo adentro, chamavam a atenção sustentando todo o imaginário.
Foi na lua cheia que aquela situação chegou até ele, aguçando a curiosidade. Procurava o reflexo da lua sobre as águas e só bem mais adiante pôde vê-lo. Era estranho, algo parecia estar errado.
Esperou pelo amanhecer. Atento, deixou seu esconderijo no oco de uma árvore, por entre os cipós. Avançou uns mil metros talvez, só o suficiente para ver o então grande rio. Lá estava ele, estreito e encolhido no meio do areal.
Sobrevoou por algum tempo. Depois, achou um galho e pousou. De onde se encontrava, podia ver ao longe os prédios da cidade.
— Não é possível isso. Até mesmo o grande rio se foi. O que poderá acontecer agora, quando voltará?
— Tão cedo você não o verá de novo coruja.
O pequenino tomou um susto, naquele encontro inesperado e com aquela voz.
— Quem está falando?
— Eu sou o vento.
— Melhor parar, vento não fala.
— Caburé também não.
— Tá, deixa pra lá. Estou preocupado com o que estou vendo. O rio está desaparecendo.
— Está, sim, escoou terras abaixo e foi para o oceano. Sem chegar a chuva ele está acabando.
Depois, como se estivesse pensando, acrescentou.
— Isso acontece de tempos em tempos.
— Eu nunca vi.
— É que você vive pouco. Eu estou sempre por aqui. Uma hora sobre o mar, outra sobre o rio e depois sobre a terra. Subo e desço. Vou para um lado e para outro. Sigo rápido em grande velocidade, mas também suavemente.
— É, eu não faço nada disso. Só sei que o rio está encolhendo e que o sol está estorricando a terra. Isso não é bom. Ainda bem que eu vivo de noite. Os animais poderão ficar sem água.
— Isso não é nada. Eles encontram por aí.
Caburé achou aquela fala meio sinistra. Sequer tem chovido para se achar água por aí.
— Todos vão enfrentar dificuldades se não voltarem as chuvas. Afirmava e com razão o pequeno Caburé.
— Isso não é problema meu. Nem água eu bebo. — Completou o vento, pouco interessado com a sorte dos demais.
A pequena coruja virou-se na direção da cidade.
— Está vendo aquelas casas e edifícios? Lá vivem muitas pessoas e então precisam de muita água.
— O que sugere que eu faça? Chuva não tem a ver comigo. Não faço chover. Onde está a chuva para poder soprá-la?
O Caburé ficou pensativo por um momento. Deveria haver alguma coisa que o vento pudesse fazer. Mas, com tanto desinteresse. Será que iria fazer mesmo?
Lembrou de algo e então arriscou.
— Há algo que você poderia fazer e não parece ser muito difícil.
— Quer dizer que você está me arranjando trabalho? Quem lhe disse que eu quero trabalhar?
— Não é trabalho é um auxílio.
— Auxílio, que tipo de auxílio é esse? Está querendo que eu retire do leito o que ainda resta do rio? Além de impossível, nem me interessa essa sua história de auxílio.
— Claro que não. É muito mais fácil e melhor.
O vento ficou curioso com a sugestão do Caburé. A coruja detalhadamente prosseguiu.
— Eu explico melhor. Passe devagar sobre a faixa central do rio, recebendo a umidade, o vapor d’água. Quando se aproximar da cidade, leve até eles o ar fresco. Até as matas próximas também. Isto é fácil para você fazer e não vai atrapalhar ninguém, mas todos vão gostar.
O Caburé buscava sensibilizar o vento quanto a esta necessidade, mas, parecia não ter sucesso.
— Não sei não. Não sei não. Desconheço se há água suficiente.
Apólogo, na companhia de Fábula, acompanhavam a conversa dos dois. Tendo Fábula feito um rápido comentário.
— Está na hora de intervir, Apólogo. O vento precisa ajudar.
— Tem razão, nestes momentos de dificuldade, qualquer auxílio possível é bem-vindo. Mesmo que o vento ainda não possua nuvens carregadas de chuva para soprar.
Então, na velocidade do pensamento, Apólogo aproximou-se do vento lhe dizendo.
— Vento, vá soprar sobre o rio, sobre a cidade e as matas. Não precisa ter pressa. Leve uma brisa suave e refrescante. Depois você pode descansar.
Ouvindo aquilo, uma voz por demais conhecida. Orientador desde a suave brisa, até a mais destruidora das tempestades, o vento tomou o rumo do rio e se pôs a soprar.
Não demorou muito, a cidade e as matas recebiam ares mais úmidos, aliviando o calor.
— E quanto a chuva, Apólogo? Perguntou Fábula.
— Isso é mais exigente. Por hora terão que aguardar.
Empoleirado, Caburé acompanhava aquela movimentação toda. Surpreso com a rápida mudança de opinião do vento. Porém, sem entender.
Olhava para um lado, virando a cabeça em 180 graus. Olhava para o outro em mais 180 graus. Observava acima e baixo. Ali por perto não achava nada.
— É, aqui quem nunca sabe de nada sou eu.
Achou melhor retornar para a segurança no oco da árvore, para sair do sol e voltar a dormir. Ao anoitecer estaria de volta.
Arisco e veloz, o pequenino Caburé nunca permitiu que o transformassem em um bichinho de gaiola, nos seus discretos 12 centímetros. Ainda pior, que o exibissem seco e empalhado.
Prosseguiu em sua vida discreta e quase oculta, próximo aos cipós. Como costuma acontecer com a maioria dos guardiões da floresta. Observam tudo, tomam conta de tudo. Mesmo sem saber ao certo, o valor daquilo que estão fazendo.