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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

O carro é bom

Por: Antonio Mata

Por mais que se quisesse reclamar, há de se convir que 14 anos é um bocado de tempo. Ainda assim, quando ficou sabendo do tamanho do problema, ficou impressionado.

Já sabendo das reações de seu público, Barroso já havia separado as peças. Estavam totalmente desgastadas. Eram ainda peças originais de fábrica, em primeira substituição.

Veículos mais antigos, que venderam bastante, têm a vantagem das peças mais baratas e fáceis de se encontrar. Na outra ponta, carros muito usados podem ter passado pelas mãos de muita gente. Isto, quando não sofreram muito nas mãos do único dono.

O mecânico terá de fazer valer toda a sua experiência para chegar ao problema central. Tanto tem aquele que resolve trocar um monte de coisas de uma vez só, quanto existem aqueles profissionais que assumem o compromisso de só trocar as peças que forem realmente necessárias.

Estes, são verdadeiros mestres na metodologia mais antiga e mais utilizada no mundo. Das oficinas de fundo de quintal, até os grandes projetistas de máquinas. A tentativa e o erro.

— Chefe, o vazamento é pelo retentor do volante. É só deslocar o motor. A gente faz a troca e fica novinho.

Por força da situação, Oliveira fez mentalmente uma rápida estimativa de custo, já que era um serviço relativamente simples. Ainda lembrança de um fusca de outros tempos. Quando fizera tal serviço. Já que aquele ali, havia comprado zero quilômetro e seria a primeira substituição. Concordou deixando a chave e o veículo. À tarde voltaria para buscar.

No prazo devido, retornou à oficina encontrando o seu carro ainda no elevador. Estranhou o ocorrido, enquanto Barroso oferecia as explicações para o episódio.

— Pois é chefe, completamos o serviço e trocamos ainda o bulbo do óleo e saímos para testar. Em pouco tempo deu para ver que vazava óleo pela mangueira. Muito antiga, ressecada, não segurou a pressão. Foi preciso trocar a peça.

Barroso prosseguia com os esclarecimentos.

— Quando isso acontece, a gente aproveita para verificar outras mangueiras (mangotes). Acho melhor trocar as demais. Também o filtro de ar e o de gasolina. Tudo muito velho, muito saturado.

Então, continuou.

— Pois é aproveitando que havia espaço, foi só dar uma olhada no cabo da embreagem. Muito sambado chefe. Tirei para lhe mostrar.

O cabo, original de fábrica, não tinha o que esconder. Estava com o seu isolamento ressecado e partido em três partes diferentes. Peça de baixo custo. Não justificaria não trocar algo tão deteriorado. O mesmo valia para os filtros.

Explicou ao Oliveira que precisaria de mais algum tempo, pois tornaria a testar. Poderia aguardar, ou então que voltasse mais tarde. Caso não quisesse esperar.

Uma hora e meia depois, Oliveira já estava de volta. Foi quando então, recebeu a notícia.

— Essa foi inesperada, chefe. A vedação do cárter não suportou a pressão e acabou deixando o óleo vazar.

Trabalho bem feito pela montadora, levara 14 anos para mostrar um vazamento.

— E agora Barroso, como vai ficar?

— Chefe nós vamos tirar o vazamento. Vedaremos tudo e vamos testar. Se der tudo certo, acabou, já pode levar.

Incomodado, mas convencido da necessidade, retornou para casa. Posteriormente de volta, já era noite quando Oliveira chegou para buscar o carro.

— E aí Barroso, terminou?

— Ihh, meu rei, mas foi quase. Mas foi quase, mesmo. É que uma coisa puxa outra chefe. Agora, a bronca é o danado do disco de embreagem, o platô e o colar.

Oliveira começou a ficar preocupado com aquilo tudo.

— Meu rei, que mal lhe pergunte. Há quanto tempo esse carro não passa em uma oficina?

— Sei lá, ele não quebra. Não me deixa na mão.

— Aí eu acredito, meu rei. Só que chegou a hora de arrumar as coisas. Dá para rodar do jeito que está? Dá, sim, só não vai demorar para voltar de novo. Agora decide chefe.

Em uma caixa as peças trocadas e as embalagens das novas, iam sendo reunidas para mostrar ao cliente. Oliveira olhava para a caixa e já imaginava o kit de embreagem lá dentro.

— Esse carro é bom.

— Eu acredito, sim, meu rei. Não sei como ele não parou e lhe deixou a pé, aí pelo meio da rua. Seu carro é dos bons. Posso fechar tudo e ele vai rodar mais um pouco. Mas saiba que terá de voltar e fazer este serviço.

— Tá bom. Conclua o restante do serviço Barroso. Amanhã eu passo para buscar o carro.

— Combinado chefe. Agora vai dar tudo certo.

Com uma despesa quatro vezes maior, Oliveira voltou para casa. No dia seguinte, retornou e estava tudo pronto e testado. O serviço estava enfim, concluído. Mas, venhamos e convenhamos, o carro era realmente dos bons.

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