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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

O corajoso

Por: Antonio Mata

Contam lá pelas bandas do Madeira, de Beira Brisa até o Pombal, de uma seca que transformou lagos em poças de lama. Dava para chegar na ilha de Índio Brasil a pé. O lago de Santo Antônio sumiu do mapa e das vistas. De avião só se via um gramado ralo.

Na medida em que o rio secava, cada vez mais peixes se concentravam. Oferecendo grandes banquetes a população de jacarés da região.

Um jovem réptil, impressionado com a fartura de peixes, organizava e conduzia os demais em grandes caçadas coletivas. Capturavam cardumes inteiros, incapacitados de fugir.

A estiagem intensa prosseguiu. Houve a seca da maioria dos rios. Assim, os peixes começaram a morrer sufocados, com o fim do seu habitat natural. O mau cheiro da decomposição de tantos peixes ao sol, se espalhou.

Finalmente, os jacarés ficaram sem ter o que comer. Os veados e pacas que circulavam às margens do rio também desapareceram. Passaram a vagar sem rumo, em busca de alimento.

Até que decidiram subir o leito seco do rio.

— Vamos procurar, não desistam. Somos fortes e resistentes. Vamos adiante, ainda podemos encontrar uma lagoa com alguns peixes. — Dizia o jovem ao seu bando. Assim acabou sendo seguido pelos mais velhos.

Eventualmente, deixavam o leito seco do rio. Em grupos, começaram a se aventurar nas matas. Avançavam floresta adentro, catando o que comer.

Mas, fora de seu elemento, a água que os ocultava e permitia as surtidas rápidas e violentas, foram perdendo suas forças. Os animais remanescentes da floresta, simplesmente fugiam, ao primeiro sinal de suas presenças.

O grupo de jacarés mais jovens começou a enfraquecer e ficaram à beira da inanição. Debilitados, retornaram ao leito seco do rio. Quando chegaram foram cercados pelos mais velhos.

Um enorme jacaré-açu se dirigiu ao líder dos jovens, este já esgotado pelas andanças na floresta.

— Lamento dizer meu jovem. Mas se não há mais comida, vocês serão o alimento dos mais velhos.

O jovem e cansado jacaré começou a andar de um lado para o outro na busca de uma resposta. Então, decidiu reunir o pequeno grupo de jacarés jovens, famintos e cansados.

Colocou-os de frente para o baixo curso e iniciou a falar.

— Todos já sabem das dificuldades que estamos enfrentando. Com vários jacarés prestes a morrer de fome. De forma muito clara, todos ouviram as palavras do grande jacaré-açu. Sendo assim só há uma coisa que eu posso lhes dizer.

Fez-se silêncio, todos aguardavam as últimas palavras do jovem líder. Até que finalmente falou.

— Salvem suas vidas! Corram para o baixo curso, pelo leito seco do rio! Quem ficar aqui vai morrer! Salvem suas vidas!

Desandou a correr à frente dos mais jovens. Uma corrida pela vida. A despeito da fome, da sede e do cansaço, dispararam amparados no resto de suas forças.

Aquela corrida mortal se estendeu. A cada 200 metros um jovem faminto era alcançado e devorado. Mas não era o suficiente para todos os mais velhos. Assim muitos acabavam prosseguindo na corrida da morte.

Os que paravam para comer, ficavam satisfeitos e depois voltavam para o trecho de origem, onde tudo começara. Os demais prosseguiam na perseguição. Até que outro fenômeno inesperado se deu.

Vários jacarés dentre os mais velhos, mais pesados, se esgotavam muito facilmente. De caçadores, passaram a ser caçados. Foram cercados e acabaram devorados pelos outros mais velhos, pois assim era mais fácil.

O grupo de jovens diminuía cada vez mais, até pararem de persegui-los. Prosseguiram descendo o leito do Madeira, até que encontraram pequeno trecho ainda com água e uns poucos peixes. Mas, o suficiente para comer, matar a sede e sobreviver.

Já os jacarés mais velhos, no leito seco mais alto, prosseguiram com o canibalismo. Até que o último jacaré-açu, solitário, doente e desidratado, terminou por morrer de sede e fome.

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