Por: Antonio Mata
Sob a palmeira, recostado na mochila, aguardava o velho fumaceiro passar no único ponto do lugar. Enquanto não vinha, apreciava mais uma vez a paisagem que emoldurou sua vida e a vida de sua família, desde seus avós.
O mar quebrava suas ondas não muito longe dali, só bastando cruzar o areal. Era cedo e o ar fresco que tocava seu rosto impulsionava suas lembranças. Coisas que estavam agora, fadadas a ficar no passado. Seu recanto, lugar de gente do povo, fora descoberto e alcançado.
Dali a pouco, chegou mais quatro, chegou mais cinco. Duas mulheres e os demais, todos homens. Metade deles iriam fazer o mesmo que ele. Era hora de partir.
Oportunidades, planos, sonhos e trabalho. O pouco que havia sumiu tão rápido que não teve tempo nem de entender o porquê. Só viu acontecer. Descoberto e alcançado, não entendia.
Daquela sua gente de família e amigos, não haveria mais uma nova edição, não com ele. O forró, o luau, as festas caipiras de meio de ano, as brincadeiras que alegraram gerações.
Tudo parecia fadado ao domínio de suas próprias lembranças. Prosseguiriam sem ele? Mas, por quanto tempo sustentariam a ausência dos naturais, com tanta gente que cresceu ali, indo embora? Que tipo de influência viria depois?
Uma coisa entendia e bem. Fosse como fosse, tinha a ver com aquela gente diferente. Primeiro um punhado, deslumbrados de tudo. Até gostava dos caras. Depois foi que chegou um montão.
Compravam tudo que achassem bonito. Até as mulheres. Uma gente de cara branca, língua diferente, ideias diferentes e dinheiro no bolso. Só coisas que sabidamente nunca teve e que pelo visto, nunca terá.
Até que não deu mais. Quem trabalhava, trabalhava em função deles. Quem tinha uma casa, um lote, uma pousada, uma chácara, vendeu para eles. Alguém que precise onde morar, alugava pelo preço que só eles podiam pagar.
Mexeram com tudo. Até perder acesso às coisas de seu próprio lugar. Tornou-se o João Ninguém. Não era mais Paulo, ou Augusto, ou Pedro, de onde um dia fora alguém. Agora era só partir.
Uma das coisas mais buscadas atualmente é a paz. Com ela vai ainda a tranquilidade e a segurança. A paz, ou o seu trio, se tornou tão valiosa que foi precificada.
Já existe no mundo uma quantidade relativamente grande de pessoas abastadas. O que começou com pequenas levas de viajantes no início do século XX, cresceu imensamente e assumiu contornos transnacionais.
Os pequenos grupos de cidadãos britânicos, conhecendo as terras e os povos sob domínio do império, além de norte-americanos endinheirados foi só o cadinho. O número de coadjuvantes cresceu enormemente. Além destes, outros tantos europeus, mas também orientais, notadamente chineses.
Contudo, o exemplo mais presente é o norte-americano. Onde chegam, aparecem com dinheiro e deslumbrados, começam a comprar tudo. São casas, apartamentos, castelos, vilas inteiras, hotéis, pousadas, propriedades rurais, etc.
Nisso, uma grande preferência pelos litorais próximos a grandes cidades. Recantos bucólicos do mundo, que cruzaram o século XX, até o XXI, em relativo sossego, passaram a ter as suas relações de custos locais majoradas. Tudo aumentava, desde a comida aos imóveis, até o preço dos aluguéis.
A paz, a tranquilidade e a segurança foram compradas dos habitantes locais, que ao final, simplesmente as perderam. Alguns ainda obtiveram mais dinheiro, porém, para a maioria foi o empobrecimento e o emprego mal pago na área do turismo.
Nestes lugares paradisíacos ao redor do mundo, já não se vive mais como seus antepassados. A população local começava a perder suas vinculações com sua cidade, sua vila ou seu lugar.
Com o tempo deixam suas raízes e juntam-se às multidões que circulam pelo mundo em busca de oportunidade de trabalho. Como uma espécie de desalojado moderno. Seu mundo e suas relações de pertencimento foram vendidas.
O clichê do cinema clássico hollywoodiano está voltando. Fora de época é difícil de se manter, porém, fácil de se abastardar. Chegando às relações espúrias da prostituição e o tráfico humano, como já ocorre na Ásia. Aliás, o que motivou, no nível espiritual, o tsunami do sul do Pacífico. A faxina foi necessária.
Por hora, o Brasil se apresenta nestes cenários, cheio de capitais litorâneas. Fortaleza e Natal vão se tornando conhecidas. Existem outras mais ao sul, igualmente, atrativas. Dá para escolher.
As mestiças do lugar são bonitas, algo fácil de notar. Como estes estrangeiros compradores são notadamente homens, influenciam o comportamento das mulheres locais. Homens com dinheiro em uma sociedade barata, onde vão sair comprando coisas e gente, como em um tipo de supermercado.
A relação é muito simples. A média salarial do trabalhador brasileiro, em 2023, foi de 3.214 reais ao mês. No mesmo ano, a média do trabalhador norte-americano foi de 22.692 reais (4.538 dólares ao mês).
Quando tudo encarecer estarão no topo da sociedade local como investidores, compradores e proprietários. Enquanto aos homens nativos, sem o mesmo aparato, só lhes restarão ir embora. Seu lugar foi finalmente vendido.