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terra de espíritos

histórias, crônicas e contos

O muro caiu

Por: Antonio Mata

Tudo muito antigo, carcomido e sabido. A caixa de ar sob o telhado era pequena. Assim, era quente durante o calor. Janelas com grade, mas sem vidro e cobogós em lugares indevidos, durante o frio, dificultavam a calefação.

Frio pelo maio do ano, goteiras no velho telhado, completavam o que já era ruim, na época das chuvas. Nem por isso o prédio sujo estava vazio.

O contingente no internato era anormalmente grande. Os dias arrastados se seguiam. Até que um momento diferente, inusitado até para quem vivia lá dentro.

— Caiu, ele caiu lá atrás! O muro caiu, o muro caiu lá atrás!

O gatilho inesperado que vivia no ar, aguardando o momento de invadir as mentes, conquistou e envolveu como que por encanto. Alastrou-se pelos corredores úmidos, pintura descascada, cheirando a mofo e a mijo.

Incendiou a todos os cantos, até os últimos cubículos do casarão e prédios próximos. Parecia uma ordem e coletiva. O rastilho de pólvora que corria querendo detonar tudo.

Tinha de ser rápido. Antes que se dessem conta do ocorrido. A onda humana rumou para o curto terreno baldio nos fundos. Alcançou as grossas paredes tombadas ao chão, exibindo seus tijolos maciços, tão úmidos quanto o resto do prédio. Um vão com mais de uns doze metros.

Correram por sobre os seus restos, ganhando a rua e pequeno trecho de mata, logo à frente. O espalhamento fazia um leque, com a base na altura do muro, se abrindo para fora, naquele desenho repentino de liberdade. Estouro de boiada na rua, se visto de cima. Melhor que qualquer tipo de casarão.

Caiu de carcomido, de esquecido, de corrompido. De não se querer mais nem a comida, nem seus restos, nem seu mofo. Caiu porque, afinal, um dia a casa cai.

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