Por: Antonio Mata
O parque extenso e arborizado, com diversos bosques, campos, pistas, trilhas e lagos, talvez indicasse uma grande praça de esportes. Bem verdade que o convite aos amantes do esporte estava lá. Ainda que não fosse só isso.
Crianças corriam pelos campos livremente, porém olhos vigilantes cuidavam de tudo. A ala dos amantes da meditação, em espaço reservado e mais deslocado, sempre frequentada. Lugar ótimo para aurir boas energias.
Em que pese o número de pessoas, umas doze mil pelo menos, não existia tumulto e as eventuais aglomerações se comportavam de modo muito civilizado e pacífico. Era um dia festivo.
Lugar de beleza e de convívio, onde pássaros enfeitavam o ambiente, compartilhado com pequenos mamíferos soltos pelas proximidades, já que não se viam cercas nem gradis.
Também, à meia distância era possível ver o veado-campeiro, o cachorro-de-orelha-curta, a raposa-do-campo, circulando em grupos. Enquanto o suçuarana se espreguiçava ao sol. Não havia inimigos, nem caça, nem caçadores.
Entretanto, um dos principais motivos da distinta aglomeração estava prestes a se apresentar. Mais de dez mil pessoas se reuniram para o esperado evento e se acomodavam em confortáveis arquibancadas.
O mais querido dos esportes entre os presentes não teria como deixar de ser. A paixão de muitos, o futebol. Chegava a primeira equipe a ingressar no gramado.
Não sem propósito, um ato de doação e grandeza, os jogadores trajavam a camisa amarela, calção azul e meias brancas.
Sua entrada foi marcada por ruidosos e efusivos aplausos, nas manifestações de alegria do público. Os heróis estavam lá. As faces denotavam gente muito conhecida. Aqueles que percorreram as arenas e estádios do mundo. Os criadores, geração após geração, da legendária camisa canarinho.
A seguir, envergando as camisas em tons de azul, calções brancos e meias azul-marinho, adentrava o gramado uma das mais queridas agremiações esportivas do lugar.
Simplesmente conhecida como os Tetras. Em sua passagem foram ovacionados. Colocadas as equipes lado a lado, a promessa de um grande espetáculo vicejava no ar. O que em breve se iniciaria, para o deleite dos presentes, não era um jogo comum. Era um confronto de heróis.
É executado o hino nacional brasileiro. Atletas perfilados e o público de pé, mais uma vez saúdam o brado retumbante e o sol da liberdade, transmutado, transformado em céu da liberdade.
Tem início o esperado confronto. O esquema 3-4-3 adotado pelos azuis logo se torna visível na sua movimentação. Um esforço para ter o controle do meio de campo, detendo as saídas de bola mais longas, enquanto os atacantes restringem as saídas curtas.
As esquipes se estudam. Os primeiros cinco ou oito minutos são dedicados à observação mútua. Em respeito ao adversário, os canarinhos adotam o 4-4-2, fechando o meio, mas reforçando a defesa em uma postura própria para o contra-ataque, apoiada na velocidade e na qualidade de seus atacantes.
Se os canarinhos pretendiam explorar os contra-ataques, os azuis, ao deterem as saídas de bola, haveriam de frustrar tais intenções. Porém, o meio de campo nivelado demais, poderia se tornar a terra de ninguém.
Sem nenhum despropósito, o meio canarinho atraía o terceiro atacante azul. Ele tinha que recuar. A única forma de criar alguma vantagem para os azuis, saindo da terra de ninguém.
Contudo, confronto é confronto, mesmo em um amistoso. É que por vez, essa atração indesejada, enfraqueceria o ataque, demovendo o posicionamento original. Assim, os azuis acabariam com um ataque enfraquecido, um meio naturalmente disputado, porém com uma defesa de apenas três jogadores.
Ainda assim, esquemas de campo são arranjos, uma organização de posicionamento. Esquemas não são o jogo, são apenas uma parte dele. Se fosse o contrário, a velocidade, a criatividade, a finta e a determinação, não teriam construído a história do esporte mais popular e difundido do mundo.
A disputa avança com lances de uma estética que ajudaram a criar todo o prestígio e a mística do futebol. Ao final, o placar dava a mostra da luta verdadeira que se deu em campo.
Entre aplausos, demonstrações de carinho e apreço da parte do grande público, mas também entre os próprios jogadores. Estes falavam da superação, da perseverança, mas também da paciência e autocontrole em se esperar para se fazer melhor.
É quando o fator tempo não é valor limitante, mas instrumento de preparação. Aquele escore de 3 a 3, não era símbolo de empate, muito menos de derrota, o que se haveria de pensar.
Ao final, todos regressaram para seus lugares de origem. Os Tetras, exaustos, mas felizes com o resultado, saíram de campo debaixo dos aplausos exaustivos dos presentes, puxados pelos canarinhos que, no centro de campo, conduziam a homenagem, enquanto os azuis, os Tetras, se afastavam.
Fazia um pouco de frio naquela manhã de céu nublado, meio cinzento, com cara de chuva mais tarde. Nos hospitais, clínicas e nos lares, os afazeres do dia já haviam se iniciado.
Dona Luciana cuidava de seu filho tetraplégico. Já há 22 anos que o havia recebido. Acomodou-o em cima da rede na casa simples de três cômodos em bairro de periferia. André não fala e só movimenta a cabeça e os olhos.
Trazia consigo a lembrança de um sonho incomum e de rara beleza. Aplausos; a peleja; a saída do campo; a camisa suada e o peito ofegante. Como se ele mesmo estivesse lá, em um grande evento. Correndo, jogando, se posicionando para receber a bola. Foi em um lance de bola parada que ele mesmo marcou o gol de empate. Dois minutos após, o juiz encerrava a partida.
Arregalou os olhos para sua mãe. Quer contar, mas não pode. Quer falar de um sonho bom. Só não lhe é possível. Esconde sua agonia para não perturbar sua heroína, pois estava tudo certo e estava tudo bem, estava feliz. Quem sabe não haveria outro jogo.
Batem à porta da casa sem reboco. É uma menina.
— Dona Luciana, pediram para entregar para a senhora.
Recebe o pequeno envelope com um papel dobrado, onde podia ver umas poucas palavras. Foi dona Mariana quem mandou.
Luciana, recebemos ontem à noite esta comunicação:
Não posso lhe falar, lhe beijar, nem lhe abraçar. Então, mesmo assim, lhe dou meu olhar sincero e o meu sorriso de boca aberta.
André.