Foto: pxfuel.com
Por: Antonio Mata
A corrida na beira da estrada, até a porteira do sítio, já ia começar. Se adiantou até o ponto de partida costumeiro, olhou rapidamente para trás. Verificado que também já se posicionara, desabalou a correr; com o Tico a oito metros; logo atrás.
A corrida de trinta metros, mais ou menos, era para assegurar que conseguiria vencer, nem que fosse de vez em quando. Era a brincadeira favorita do Tico.
Correu como pôde, mas Tico já se especializara naquele trajeto mínimo e deixava poucas chances de vitória para o pobre Agostinho, que acabava se contentando mesmo; com o seu segundo lugar.
Companheiro dos dias de férias escolares, quando podia passar mais tempo na propriedade dos tios, Agostinho se afeiçoara pelo cachorro da casa. Com frequência visitava sua mascote, nos fins de semana; mesmo durante as aulas.
Tico acompanhou vários episódios mais significativos da vida do garoto de doze anos. Muito motivado pelas coisas do campo, quando ingressou na universidade, acabou passando mais tempo no sítio dos tios; por ser mais próximo do campus.
Adotaria a profissão do tio Henrique, um agrônomo em vias de se aposentar. Estava decidido a passar seus dias cuidando das coisas do campo nas fazendas da região.
Com dois anos de formado, Agostinho perdeu o amigo Tico; era assim que pensava e lamentava. Morreu de causas naturais com a idade já bem avançada.
Mal o dia clareou, percorria a grande lavoura de milho, verificando sinais de pragas, observando o desenvolvimento das plantas. Olhava e anotava tudo atentamente; aqui e ali conferia os grãos por debaixo da palha.
Retornou à casa da fazenda sendo recebido pelo proprietário, Gaspar; e por sua esposa. Dona Veridiana tinha em suas mãos uma caixa que alegremente ofereceu a Agostinho.
— Desde que o Tico morreu que começamos a procurar um substituto Agostinho. Acho que encontramos.
Agostinho abriu a caixa e lá estava um belo filhote de Retriever dourado. Quanta diferença do seu Tico vira-lata, querido de tantos anos. Que o acompanhou do início da adolescência até a universidade; e começo da vida profissional no campo.
— Muito obrigado a vocês dois, foi um lindo presente. Tenho certeza de que ele vai gostar de acompanhar um agrônomo. O Tico nunca reclamou de nossas andanças pelo campo.
Permaneceu a letra “T”, tal e qual uma recordação. O desajeitado filhote cresceu e se tornou Tião, o companheiro de Agostinho na lida do campo, fosse a pé, de carro; ou mesmo a cavalo. A dupla se tornou inseparável.
Quando Agostinho casou-se e surgiu o casal de filhos, foi Tião o mais festivo nas brincadeiras com as crianças. Tião tornou-se o filho mais velho de Agostinho e Letícia. Sem que com isto, tivesse de abandonar seu fiel amigo agrônomo; que o chamava logo cedo para o trabalho de acompanhamento da lavoura.
Quando Bruno e Lívia adentraram a faixa dos 18 anos, foi a vez do dourado e simpático Tião se despedir. Com a idade avançada, entrou em falência dos órgãos. Não estava só, Agostinho, Letícia, Bruno e Lívia, sua família por longos anos estavam todos com ele. Morreu sem dor; cercado por toda a sua família.
Passaram-se dois anos sem que ninguém se manifestasse quanto a obtenção de um substituto para o Tião. Tanto quanto um dia, Agostinho não pensava em substituir o Tico, a família não se interessava por outro cão para ficar no lugar do Tião. Por alguma razão não achava lá muito correto.
Final de tarde de mais um dia no campo, Agostinho conduz a camioneta, sem pressa, de volta para casa. Ao observar à sua direita, uma coisa chamou a sua atenção. Engatou uma terceira, diminuiu e prestou atenção com mais cautela.
Um vira-lata preto e branco correndo ao lado do carro, parecia não se cansar da brincadeira. Sabendo que logo, logo, aquilo iria cessar, parou por um instante, deixou o motor ligado e, intrigado, puxou o freio de mão.
Desceu do carro.
O vira-lata ofegante sentou-se na sua frente. Agostinho agachou-se e deu uma boa olhada no animal, meio sujo, bem magrelo e sem coleira. Os olhos inflamados, mas sem cara de pidão. Simplesmente estava ali; como quem aguarda uma solução. Agostinho ri da situação.
— Está bem moço, você venceu. Entra aí dentro e vamos para casa. Vou te levar para conhecer mais gente.
Em casa apresentou o amigo sujo que encontrou na estrada, e apesar do estado sofrido do animal, cativou os presentes com sua atitude simpática e amistosa. Lívia se prontificou a cuidar do bicho e foi quem sugeriu o seu nome, Timba. Assim então, havia o Tico, e houve o Tião; e agora chegava o Timba.
Os tempos avançariam mais uma vez, e outra vez. Após o Timba viria o Téo, desta vez um labrador preto. Quando Téo completou 17 anos, Agostinho aos 89, sofreu um infarto fulminante sentado em casa, com Téo deitado junto da cadeira de balanço na varanda.
Sepultado em seguida, na presença dos filhos, dos netos, noras, genros, do Téo e de Letícia. Todos estavam ali, integrantes da mesma história; cada um chegando a seu tempo.
Téo acompanhou Agostinho, e por mais que quisessem deixá-lo dentro de casa, Téo fugia e retornava ao local do sepultamento do amigo Agostinho. Foi assim que o encontraram deitado, já sem vida, sobre o jazigo do amigo que não quis esquecer.
Já desprovido do cansado corpo físico, e acompanhado por amigos queridos, contentes com a jornada de Agostinho, zelando pela alimentação de muitos; o grupo retornou ao jazigo para receber outro velho amigo das andanças da Terra.
Agostinho se agachou mais uma vez para dar mais uma olhada no Labrador preto, todo contente, sentado e sacudindo a cauda. Olhou com mais calma, e o cão, como quem fala, deixou Agostinho reconhecer outra parte da jornada, aquela que na matéria densa; não lhe foi possível enxergar.
— Então era você o tempo todo. Como devo chamá-lo, Tico, Tião, Timba; ou Téo?
O cão, todo satisfeito, e sem se importar muito com o que Agostinho dizia, apenas se alegrava com aquele reencontro. Estendeu-lhe as patas; como quem oferece um abraço. Caminharam todos juntos e se dirigiram a uma colônia espiritual nas proximidades; onde Agostinho pudesse descansar junto do velho amigo.
Ele ainda não sabia, mas logo seria cientificado de tudo. Concluída a jornada de Agostinho, o grande amigo de Tico em sucessivas reencarnações caninas para ficar próximo e oferecer proteção e amparo ao seu companheiro humano, havia solicitado nova missão. Em breve teria de retornar para acompanhar Manuela, filha de Lívia.
Então é assim, onde a casa deixa de lado a sua expressão física, para se tornar o Lar de todos, onde o respeito mútuo habita, onde cada um tem a sua vez e a sua voz. O Lar cresce, o sentimento de família se amplia e abarca outros filhos da Criação Divina. Aí então, a unidade com Deus se faz presente.